28.11.10

Aos meus bons amigos

O final do semestre, quando junto com o final do ano, me faz pensar em uma coisa em especial. Há quanto tempo não vejo meus amigos, meus maiores amigos? Alguns podem dizer que, como eu faço aniversário no fim do ano, e sempre comemoro, não deveria sentir essa falta toda, mas eu não funciono assim. São tantos trabalhos finais, provas, estudos e outras preocupações e ocupações que fico perdida. Não. Ver alguns deles uma vez por mês não me satisfaz!

Essa época me lembra também do último ano no colégio. Boa parte dos meus amigos de verdade estava na mesma situação que eu, ou alguma coisa parecida. Estávamos formando, tentando acabar com o 3º ano (sempre me vem à cabeça minha luta eterna contra a física. Eu queria ser amiga dela, mas ela nunca foi muito com a minha cara). Ao mesmo tempo estudávamos para o maldito vestibular ou, no caso de alguns em especial, ainda tentávamos escolher qual curso fazer. No meio disso tudo o clima de festa pairava no ar! Último ano no colégio, festas, e a aproximação de algumas das pessoas mais importantes pra mim. Momento piada interna: “Vocês moram naquela ZN?!”. Coincidentemente, ou não, o ano seguinte teve um perfil quase que exatamente igual. Tirando a euforia de sair do colégio, tudo era muito parecido em uma sala de cursinho pré-vestibular. Mais um grupo de amigos se formou e eu já sabia o que poderia acontecer no ano seguinte. Amizade não é um sentimento que se controle, ainda mais pra alguém como eu.

Se por um lado eu tinha a sensação de que aqueles grupos de amizade iriam durar pra sempre, meu lado racional, sempre me importunado, me lembrava que as coisas não seriam bem assim. Cada um iria seguir sua vida e não dá pra levar junto todas as pessoas que queremos. Um dia sonhei em tê-los comigo o tempo todo, pro resto da minha vida. Essa não é uma realidade plausível, eu admito. Medicina, Engenharias, UFOP, cursos em tempo integral. Foram essas algumas das nossas escolhas. E eu já sabia delas quando percebi que esses meus amigos eram a minha então principal razão de felicidade, quando percebi que tinha criado certa dependência deles. Culpados por um lado, mas totalmente inocentes por outro. Prefiro a segunda opção, não sou possessiva assim.

Apesar de toda essa distância, eu sei que ainda somos amigos, grandes amigos. Se eu os amo? Pergunta boba. Claro que sim e eles sabem disso. Ao menos espero que ainda saibam. De tempos em tempos intimamos todos para um encontro, com penalidades de alta periculosidade para os ausentes. Mesmo assim algumas baixas começam a aparecer. Os “piolhos de festa” estão sempre lá, mas algumas peças especiais não.

Sou chata e inoportuna quando peço notícias de vocês? Como anda a vida, quando vamos nos ver de novo? Mas encontrar de verdade, nada de prometer: “A gente marca um dia”. A gente sabe que esse dia nunca chega.

Isso não faz muito sentido, assim como muita coisa que se passa na minha cabeça, mas tenho uma sensação que carrego nos ombros a obrigação de não perder vocês. Fico imaginando 2017. “Festa de comemoração de 10 anos de formados no colégio”. Espero que todos vocês estejam na festa, provavelmente na laje mais amada do Brasil. No ano seguinte, 10 anos de “Sala de aula”. Também espero vocês, num boteco do Santa Tereza. E meus outros bons amigos que não se encaixam diretamente nessas categorias, a gente inventa um motivo pra encontrar. Acho que é isso que falta para que esse tempo tão longo entre um encontro e outro diminua.

Baseado em: Meus bons amigos, da banda Barão Vermelho. Composta por Guto Goffi / Mauricio Barros / Fernando Magalhães. Faixa 2 do disco Carne Crua, de 1994

14.11.10

Tudo o que você precisa

Ele tinha pouco tempo de casado. Ou relativamente pouco tempo. Comemorou seus 5 anos de matrimônio da forma mais romântica que poderia imaginar. Café da manhã na cama, bouquet de flores no trabalho, jantar em um dos restaurantes mais famosos (e caros) da cidade. Tudo parecia estar na mais perfeita ordem. O casal pensava em filhos em um futuro próximo e, consequentemente, um lugar mais aconchegante para morar. A bela esposa se tornava cada vez mais bela e ele estava cada dia mais apaixonado. A vida estava em harmonia e ele não poderia pedir por nada mais que isso.

Mas nada não depende apenas da nossa vontade. Pelo menos não exclusivamente dela e de nossas atitudes. Pouco mais de duas semanas depois da comemoração das bodas, as coisas mudaram consideravelmente. Como sempre acontecia com a chegada de novos profissionais na pequena empresa em que ele trabalhava, naquela manhã o chefe bateu à sua porta e apresentou a mais nova contratada. Ele, um homem de 30 e poucos anos não conteve sua incredulidade. Com algo próximo dos 25, ela era uma das mulheres mais exuberantes que ele já tinha visto em toda a sua vida. Nesse momento qualquer lembrança de sua amada esposa já tinha desaparecido. Alta, de pernas compridas, magra na medida certa, tudo em seu lugar. Os cabelos louros quase ruivos, médios quase longos. Olhar naturalmente marcante e sorriso misterioso. A partir daquele momento a vida do então homem romântico e fiel virou de cabeça pra baixo.

A semana passou e a novata continuou na sua cabeça. Àquela altura sua mulher já não importava tanto. Já não era o amor da sua vida. O fim do ano veio junto com a tradicional festa de confraternização da empresa e com a gripe da esposa, que, desafortunadamente, não pode acompanhar o marido. Apesar dos interesses entre ele e sua nova colega de trabalho já estarem claros, eles se encontraram, por acaso, no balcão do salão onde acontecia a festa.

A reação de beijá-la foi quase instantânea, mas ela o evitou como poucas fariam. Deu meia volta ficando de costas pra ele e começou a falar: “Eu conheço seu tipo. Tem milhares à sua disposição, mas é apaixonado pela mulher com quem casou.”. Ela virou para ele continuou: “Agora você vai ter que se decidir.”. Chegando mais perto do seu admirador terminou: “Sei que você vai ver a luz. Tudo o que você precisa está aqui. Percebe?”. Ele não podia negar, tudo o que ele queria estava ali, na sua frente. Aquela quase menina era tudo no que ele pensava, estava aos seus pés. “Um dia, posso te garantir, eu vou estar com você num romance que você nunca teve com ela” disse levantando a mão esquerda aberta e voltou aos demais colegas de trabalho.

Naquela noite eles foram embora pouco depois um do outro. Ao se despedirem ela concluiu tudo o que tinha dito algum tempo antes: “Você vai ser meu e eu vou ser sua. Não duvide disso. Vai estar tudo bem e vamos ter tudo o que sonhamos. É só você fazer sua escolha.”

Ao contrário do que as duas centenas de testemunhas ouviram no dia do casamento dele, menos de três meses depois que conheceu a mulher do sorriso misterioso ele pediu o divórcio à sua antes amada esposa. Menos de uma hora se passou e ele encontrou a outra em um charmoso bar de um bairro distante. Quando contou sua decisão para sua nova amada ela respondeu provocativamente: “Sabe porque você largou sua esposinha amada? Porque ela não é como eu”. Ela se levantou da cadeira, deu uma última piscada ao mesmo tempo que o vento batia em seus cabelos. Por fim a loura quase ruiva se virou e foi embora.

Baseado em: I’ll be anything you want, de Melissa Auf Der Maur. Composta por Melissa Auf Der Maur. Faixa 7 do disco Auf der Maur, de 2004

24.10.10

Rock, cerveja e botas.

Agora eles estavam quase saindo de casa. Enquanto ele apreciava a garota terminando de se arrumar, ela procurava por todos os cantos aquele par de saltos lindos que comprou de presente de natal para ela mesma. Ele estava escorado na moldura da porta (um dia aprendi que isso na verdade se chama umbral), com a roupa de sempre: calça jeans bem confortável, camiseta com algum desenho legal estampado e All Star vermelho. Não conseguia entender porque a sua garota demorava tanto para se arrumar, mas ainda assim gostava muito de observar esses momentos.

Eles já estavam juntos há uns cinco anos. Morando sob o mesmo teto há pouco mais de um. Como de costume estavam indo para um dos pubs da cidade. Além de vários amigos freqüentarem o lugar, a programação da noite prometia ótimos covers de clássicos do rock. Eles até tentavam outras opções, mas sempre voltavam para o mesmo lugar, aliás, onde se conheceram.

Eles eram dois universitários no fim do curso. Preocupados demais com a formatura (e todo o resto que vinha com ela) e sem dinheiro pra muita farra. Estavam nesse tal pub cada qual com seu grupo de amigos. Na época ela estava de caso com um carinha amigo do primo. Ou primo do amigo, não faz diferença. Uma certa hora da noite, quando era a vez do nosso protagonista ir buscar cerveja, ele encontrou com ela e sua beleza incomum no balcão. Eles se olharam, ela sorriu educadamente e foi embora. Ele não resistiu e olhou pra trás. Tudo que pode ver foi o longo cabelo castanho e um pouco da comprida bota que se misturava em meio a tantas pernas que havia pelo caminho. Depois de uma série de “auto-xingamentos” ele voltou para seus amigos.

Naquele dia quem tocava era um cover de The Doors. Durante a apresentação ele pode ver o olhar ameaçador da garota do balcão e pensava: “Você ainda vai ser a minha garota”. Porém, quando viu que ela estava acompanhada bateu um desanimo que o levou pra casa mais cedo que de costume.

Duas semanas depois lá estava ele em um outro pub. Dessa vez quem “tocava” era o Led Zeppelin. Qual não foi a surpresa ao ver a garota dos longos cabelos castanhos e botas? Ele reparou se havia alguma companhia suspeita e foi até a sua futura garota sem nem comentar com os amigos. Ela se lembrou dele assim que o viu aproximando. Ao contrário de semanas antes, dessa vez eles conseguiram conversar como queriam.

Voltando ao apartamento do início da história, ela olhou para seu observador e falou: “Estou quase pronta”, mas quando abriu a carteira voltou atrás. “Não... cadê meu dinheiro?!”. Ele sorriu e cantarolou “You don't need that money when you look like that, do ya honey”. “OI?!” ela disse indignada. “Nada honey, tava só lembrando uma música, vamos? É seu aniversário e seus convidados já devem estar te esperando. Esqueceu que eu pago a sua conta?”. O tal olhar ameaçador não descansa, por mais doce que ela pareça ser. Ele estendeu a mão para ela e chamou: “Vamos?”.

Baseado em: Are you gonna be my girl, da banda Jet. Composta por N. Cester e C. Muncey. Faixa 2 do disco Get Born, de 2003

10.10.10

Como nos velhos tempos

Um dia desses, eu estava conversando com a minha avó e ela resolveu me contar uma história dela e do meu avô, quando ainda eram namorados, ou sei lá como isso se chamava naquela época. A história aconteceu em uma tarde de outono, num parque da cidade e foi mais ou menos assim:

Ao contrário do que normalmente acontecia, meu avô chegou de surpresa na casa dos meus bisavós para levar minha avó para passear. Como ele já tinha conquistado a confiança dos sogros, eles saíram tranquilamente. Minha avó reparou numa coisa estranha. Ele levava uma cesta na mão... um piquenique provavelmente, mas porque ele não pediu para ela arrumar a cesta? Largou a curiosidade pra lá e acompanhou seu amado.

Eles estavam namorando havia uns 4 anos e estavam muito felizes. As irmãs da minha avó morriam de inveja em ver um casal tão bonito e que tinha tudo para dar certo. Elas não tinham a mesma sorte. Enfim eles chegaram ao parque mais bonito da cidade. Juntos montaram o que seria o lanche da tarde com todas as delícias que meu avô tinha trazido dentro da cesta. “Com certeza isso foi ideia da minha sogra” pensou a minha avó, na época uma senhorita dona de uma cintura de deixar no chinelo qualquer modelo magrela. O casal se sentou e começou a conversar e coisas afins que namorados faziam naquela época (ela não entrou em detalhes sobre essa parte).

Um momento de silêncio e meu avô começou a imaginar algumas coisas: “Helena, já imaginou nossas vidas daqui alguns anos? Eu começando a perder meus cabelos e usando uma boina para disfarçar. Você com um coque prendendo os cabelos. Preferia que você continuasse com eles soltos, mas pelo que vejo por aí, depois de um tempo as mulheres costumam mantê-los presos. Nossos filhos já vão estar casados. Vou continuar te dando presente de dia dos namorados, sabia?”

Essas palavras foram totalmente inesperadas. Ele não costumava falar sobre o futuro com ela. Minha avó disse que ficou muito feliz. Encostou-se no ombro dele e continuou escutando. “Você vai me dar feliz aniversário e uma garrafa de vinho. Depois de certa idade as pessoas elegantes ganham vinho de aniversário. Nós vamos ser um casal elegante! Mas se um dia eu chegar tarde em casa, depois de um dia de trabalho... você ainda vai me receber na porta, não vai?”. Ela respondeu com um longo suspiro e um “uhum”.

“Quando estivermos lá pelos nossos... 64, 65 anos, você ainda vai me querer ao seu lado? Ainda vai fazer o almoço de domingo?” Confesso que a minha reação nessa parte não foi muito agradável, mas era a época, fazer o quê. Já ela respondia a tudo afirmativamente e muito feliz, as lágrimas estavam se preparando para entrar em cena (na história e na narração). “Ainda vou ser muito útil pra você. Posso trocar a lâmpada da sala e consertar um fusível queimado. E quando você se cansar posso te encher de amor e carinho. Acho que você vai me dar um suéter que você mesma fez no inverno. No domingo de manhã, enquanto esperamos nossos filhos chegarem para o almoço, vamos passear pelo jardim, brincar com os cachorros. Vamos ter dois. E um gato também. Sentados no meio das plantas vamos cuidar delas. Tirar todas as ervas daninhas e plantar novas espécies. Aposto que você vai querer as mais variadas orquídeas nos fundos e as rosas mais coloridas na parte da frente da casa.” Ela não poderia ter imaginado futuro melhor! A essa altura os olhos da minha avó já estavam marejados à minha frente.

“Sabe o que vamos fazer nas férias de verão? Pegar nossos netos e levá-los para uma casa de praia num lugar mais distante, no sul do país. Vamos ter três netos: a Vera, o Davi e o Carlos. Ainda não sei quem é o mais velho, mas o Carlos é o mais novo, com certeza. A casa de praia não deve ser muito cara... mas se for você usa sua incrível habilidade para pechinchar.”

“Eu sei que você vai viajar de vez em quando. Ver sua família e tudo mais. Me promete que vai me mandar um cartão postal ou um telegrama? Quero saber como você está, se suas irmãs continuam rabugentas. Pode ser sincera comigo, não vou contar pra elas o seu ponto de vista.”

Depois de toda uma tarde fazendo esses planos para mais de 50 anos depois, meu avô finalmente chegou no ponto que queria: “Mas Helena, antes de tudo isso acontecer, você precisa me dizer apenas uma palavra”. A essa altura o rosto da minha avó já estava sendo lavado pelas lágrimas. “Você quer se casar comigo?”

Baseado em: When I’m sixty-four, da banda The Beatles. Composta por Paul McCartney e John Lennon. Faixa 9 (ou 2 do lado B) do disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de 1967.

Escrito em: 10 de outubro de 2010.

26.9.10

O rei dos idiotas

Quando nós nos conhecemos parecia que tudo estava a nosso favor. Nada poderia atrapalhar essa história tão inusitada e tão bonita. Muita gente colocava olho gordo na relação, mas, eu pelo menos, nunca liguei pra isso. Os anos se passavam e os comentários persistiam. Enquanto isso nós seguíamos em frente, sabíamos onde queríamos chegar. Era a nossa história, ninguém tinha que se meter, a opinião alheia não fazia diferença nas nossas escolhas. Desde de o primeiro dia que eu te amei, nada mais importava, a não ser você.

Finalmente nos casamos. Você era a mulher da minha vida, tudo o que eu sempre sonhei e algo mais. A felicidade era o sentimento que preenchia a nossa casa. É verdade que tudo era muito simples. Apenas um detalhe. Ainda assim, nossas poucas posses e vida sem grandiosidades não te incomodavam, mas resolvi te dar uma vida melhor. A futura mãe dos meus filhos merecia o máximo de mim. Como eu te amo, baby. Desde que eu andei amando você meus amigos dizem que eu sou o rei dos idiotas. Nunca quis acreditar nem na metade do que eles me diziam. Irônico, não?

Desde que eu andei amando você eu trabalho das 7 até as 11 da noite. Você tem ideia de como eu te amo? Tudo o que eu queria era te dar o melhor. Mentira de quem disser que dinheiro não ajuda nessas horas. Não nego que a vida que eu levava era uma merda. Era mesmo uma droga, mas eu te amava e ainda te amo. Isso me levou ao ponto de relevar o ser angustiado que vivia dentro de mim. Desde que eu te amo, baby... Algumas coisas mudaram, enquanto outras continuam marcadas.

Desde que eu te amo venho bancando o idiota mor. Saía cedo de casa. Te dava um beijo apaixonado de bom-dia. Você retribuía fingindo que me amava. Depois de todo um dia me remoendo por não estar ao seu lado, finalmente abri a porta da frente da casa que construímos juntos. Estranhei um barulho de porta se fechando no mesmo instante. Você chegou ofegante da cozinha, algumas mechas de cabelo fora do lugar. Apesar de cansado consegui ouvir passos pelo lado da casa e tive a sensação de que algo não estava certo. Quando finalmente vi o seu rosto percebi sua expressão preocupada. No dia seguinte você já tinha saído de casa com nossos filhos. Meu amor não se foi com você.

Bati em sua porta. Queira te ver, ver meus filhos. Você se lembra da sua reação? As crianças estavam na sala e você gritou pra quem quisesse ouvir: “Eu não te quero mais!”, como se fosse simples assim. Andei chorando como o céu durante as tardes de verão. Consegue ouvir minhas lágrimas caindo, meu amor?! Todo mundo sempre me alertou para o tipo de vadia que você era.

Deus! Já te disse como eu tentei nessa vida? Como eu ainda tento! Tentei fazer dela a mulher mais feliz do universo. Tentei ser um bom pai. Deus! Sabe o quanto eu me sacrifiquei, como eu fiz o melhor que pude desde que amo essa mulher! Estou de novo a ponto de me descontrolar. Estou na beira do precipício.

Como eu te amo... Como eu ainda te amo? Ainda trabalho das 7 às 11 da noite todos os dias. Quem sabe assim não consigo te esquecer. Minha vida é um saco. Ainda sou o rei dos idiotas. Eu sou o rei dos idiotas desde que andei amando você.

Baseado em: Since I’ve been loving you, da banda Led Zeppelin. Composta por Jimmy Page, Robert Plant e John Paul Jones. Faixa 4 do disco Led Zeppelin III, de 1970.

Escrito em: 26 de setembro de 2010.

12.9.10

Hiperatividade

Pra quem gosta de levar uma vida agitada como ela, os últimos meses foram como se ela estivesse em um SPA. Nada acontecia. Nada de bom, nada de ruim... A monotonia tomava conta da vida familiar, da social, da profissional, da acadêmica, da vida amorosa então nem se fala. Ela queria sair quase toda noite, mas odiava não ter companhia pra isso. A época do ano, final de semestre, fazia todos os seus amigos estarem ocupados demais tentando passar naquela disciplina chata. Quando chegava a tarde de sábado a garota não se continha e ia até a sorveteria não tão próxima da sua casa. Pelo menos ia poder passear pelas ruas (vazias)... Impressionante como era difícil ver os vizinhos caminhando pelas praças e entre as árvores daquela região tão tradicional da cidade.

Por algum motivo estranho, enquanto caminhava pelas ruas se deliciando com os três sabores de sorvete e as obrigatórias castanhas, sentia que aquele lugar por onde ela passava testemunhava a vida de quem morava por ali, ou simplesmente freqüentava a região por alguma razão. Pensava como aquelas calçadas e ruas “sabiam” da vida daqueles bairros, que de tão pequenos não era possível perceber a transição entre um e outro. Voltando à realidade, balançava a cabeça e lembrava que asfalto e cimento ainda não tinham desenvolvido memória ou um meio de contar sobre tudo o que testemunham.

As semanas passaram e o ano já estava quase no final. O semestre na faculdade estava terminando, todos os últimos trabalhos encaminhados e só faltava imprimi-los no dia anterior da data marcada para a entrega. Ela continuava tentando achar companhia para algum show, inferninho, teatro ou boteco que fosse. Os amigos diziam que as provas finais estavam chegando, que ainda não tinham pontos suficientes e o pior de tudo, os professores não estavam muito animados para ajudar um aluno que seja. A solidão fazia uma visita para a garota que passava horas deitada na cama olhando para o teto e escutando música.

Numa dessas horas ela se lembrava de seus amigos e amantes... De como é bom estar com eles. Observadora como é, lembrava exatamente dos gestos que marcava cada um deles. Dos mais complexos e escandalosos, aos mais simples e leves. Estar com eles era como sair da realidade que a perseguia. Sim, ela adorava a vida que levava: seu curso, trabalho, família. Mas escapar disso de tempos em tempos também era muito bom. Rotina nunca foi uma palavra agradável para ela. Sentia-se como se pudesse voar ao passar as noites com essas pessoas. Nesses momentos tinha certeza que não haveria grandes preocupações, apenas alegria.

Finalmente terminou o semestre, mas a garota não se deu conta dos compromissos que tinha para as férias. Boa parte de seus amigos estava formando. Os bailes iriam acontecer quase que a cada duas semanas. Finalmente ela teria uma noite inteira do jeito que ela mais gosta. Aliás, uma não, algumas! Ela gostava de dizer que esses eventos com seus amigos e pretendentes eram “um dia de gente”. Um dia que ela poderia viver da forma como mais gosta. (Quase) Sempre comendo e bebendo do melhor, dançando ao som das músicas mais animadas (mesmo que não sejam as suas preferidas), na companhia de algumas das pessoas mais importantes para ela. Ao primeiro bocejo alheio ela fazia de tudo pra manter o sonolento acordado. “Hoje é proibido dormir!” ela avisava a todos com uma animação que tanto era capaz de contagiar quanto de cansar seu alvo.

De qualquer maneira, uma coisa era certa. Sempre que ela estava presente os amigos sabiam que aquela noite só terminaria com o nascer do sol, provavelmente na mesma padaria de sempre, com todos comendo pão passado na chapa com café. Essa era a única rotina permitida pela amiga. Mais que permitida, rigidamente cumprida.

Baseado em: Eu contra a noite, da banda Kid Abelha. Composta por George Israel e Paula Toller. Faixa 1 do disco Surf, de 2001.

Escrito em: 11 de setembro de 2010.

29.8.10

Vivendo e aprendendo

Às vezes eu fico reparando nas pessoas à minha volta. Algumas delas me fazem felizes, algumas não fazem a menor diferença pra mim, outras me fazem pensar sobre um ponto em especial. Isso pode parecer discurso de quem não consegue o que quer, ou qualquer outra coisa do tipo, mas certa música do Pato Fu me faz pensar por um ângulo diferente.
Nunca fui muito boa em competições, até porque não gosto de competir. A não ser que seja por um ótimo motivo, e olhe lá. É... Talvez seja por isso que não ligo a mínima por competições esportivas, por exemplo. Enfim, por mais que esse espírito competitivo não me consuma, sei que ele também tem seu lado positivo. Como sugere a letra de “Perdendo os dentes”, da banda mineira já citada, aprende-se muito mais com as derrotas que temos ao longo da vida que com as vitórias. Se pensarmos apenas pelo lado da perda em si, é com elas que descobrimos como melhorar nossas estratégias. Mas são também elas que nos fazem dedicar mais aos nossos reais objetivos e, principalmente, nos ensinam a lidar com o insucesso.
Sinto por aqueles que desconhecem a derrota, para quem a vida parece sorrir o tempo todo. A passagem dessas pessoas pela Terra acaba sendo algo extremamente monótono. Sem grandes variações, tudo sai sempre como o planejado. Até onde eu saiba, viver pede mais por emoção e improviso que por planilhas rigorosamente seguidas. Os que se veem salvos de sofrer, não imaginam como perder faz alguém maior e dá mais força para tudo o que ainda está por vir.
Por falar em força, uma coisa curiosa que já reparei em supostos grandes vitoriosos é como eles parecem ser fortes para tudo. Por outro lado, fica claro como eles agem quando estão seguros dos olhares alheios. Eles também tem sentimentos e não, não são perfeitos em tudo. Incapacitados de admitir isso vivem escondendo suas fraquezas. Afinal são escravos da mesma vitória que parece trazer tantas glórias.
Apesar de não me importar muito com competições (e nem ser alguém que ganhe com freqüência), posso ver como um vencedor desmorona quando algo acontece fora do esperado, seja por falha sua ou alheia. A preocupação exagerada com o ganhar faz com que outras coisas da vida sejam deixadas de lado. Prefiro seguir assim. Levo as coisas como posso, sempre dando o melhor de mim, mas nunca deixo faltar amor nos meus objetivos. De que me adiantariam grandes metas sem amor por elas? Exatamente: nada. Prefiro ficar em paz comigo mesma, e feliz! Até porque, como já diria Raulzito, “É chato chegar a um objetivo num instante”, prefiro as surpresas, a expectativa e os imprevistos do caminho até chegar lá.

Baseado em: O Vencedor, da banda Los Hermanos. Composta por Marcelo Camelo. Faixa 2 do
disco Ventura, de 2003.
Escrito em: 26 de agosto de 2010.


Los Hermanos - O Vencedor from TvZERO on Vimeo.

15.8.10

Sonhos para a vida

Antes que qualquer coisa possa começar preciso te falar (ou avisar sobre) algumas coisas. Deixar claro que comigo nada é tão simples ou claro. Há muito tempo minha cabeça não funciona muito bem. Dizem por aí que eu sou louca. Até que, em certa medida, eu concordo com esse status. Ainda assim tento mudar isso. Sei que muitas vezes não parece, mas sim, eu tento. Não é exatamente fácil, muito menos como eu gostaria.

Pra começo de conversa eu não nasci numa família exemplar. Nunca vi meus pais juntos. Na verdade, conheço muito pouco deles. Um pouco mais da minha mãe, já que ainda era com ela que eu morava. Com ela e meus irmãos. Pensando bem, acho estranho quando vejo uma família completa. Pai, mãe, filhos e cachorro. Isso nunca fez parte da minha realidade. Não convivi com meu pai. Dia dos pais e Natal, de vez em quando o aniversário de um de nós, seus filhos, eram dias realmente especiais. Veríamos nosso pai, estaríamos com ele. As expectativas eram grandes, mas o encontro em si se resumia a vê-lo, abraçá-lo e ir fazer alguma coisa com os irmãos. Enfim, esse era um ponto importante que você deveria saber. Sim, gostaria de ter tido um pai comigo, mas não, essa não era a minha vida.

Tenho a impressão que se eu tivesse tido um pai teria tomado as decisões certas. Não que eu me arrependa de tudo que fiz ou que minha mãe não tenha tido influência sobre esses momentos. Mas que ela sempre estava ocupada e preocupada demais tentando dar o mínimo para os três filhos sem depender de ninguém. Sou a segunda da escadinha. Entre um irmão um ano e meio mais velho e uma irmã um ano e meio mais nova. Tire suas próprias conclusões sobre isso.

Às vezes assisto a algum capítulo de uma novela qualquer que está passando. Copacabana, Leblon, às vezes algum lugar em São Paulo... Isso quando não pego a trama no início que tem algum personagem na Holanda, Suécia, Espanha, França. Deve ser bom ter tudo aquilo. Queria que meus seus problemas fossem a dúvida se amanhã vai fazer sol e vou poder me divertir jogando frescobol na praia. Tem aquelas casas em lugares inabitados também. É só acordar, colocar o suco no copo da belíssima mesa de café da manhã (que é inteiramente desperdiçada), trocar duas palavras com quem estiver por ali (“Bom Dia”), pegar o protetor solar e ir de encontro ao mar. À noite, depois de tomar sorvete passeando pela avenida que margeia a praia, poderia ir à melhor pizzaria da região e beber um bom vinho tinto. E a melhor parte, em alguma dessas situações eu encontraria o amor da minha vida.

Depois de todas as dificuldades enfrentadas, eu e meu amado faríamos enormes fogueiras, reuniríamos nossos amigos e cantaríamos clássicos do “Música para Acampamentos” da Legião Urbana e algumas outras do Nando Reis. (Suspiro) Ia ser tão mais fácil se as coisas dessem um pouco menos errado.

Admito. Eu gostaria de ter um namorado, um amante. Não preciso de tudo que as novelas me fazem querer. Mas também queria ter um pai. Não consigo dizer que tenho um. Sou consideravelmente doida e às vezes acho que fui eu quem escolheu ser assim. Para mim, momentos de fúria são comuns não apenas certos dias do mês. Minha cabeça é algo insano que não consigo organizar. Muita gente já desistiu de mim por esses e outros motivos. Se você realmente está disposto a encarar todos esses “problemas” te digo que estou disposta a tentar. Tentar com toda a força que existe em mim. Com todo o meu coração. Tenho sede de vida e quero transformar a minha. Espero que amando você, eu consiga encontrar um ponto de onde começar. 

 

Baseado em: Lust for Life, da banda Girls. Composta por Christopher Owens. Faixa 1 do disco Album, de 2009.

 Pedido de Rebeca Penido.

 Escrito em: 13 de agosto de 2010.

 

1.8.10

Fora da área de cobertura

Os telefones que a cercavam faziam parecer que ela estava constantemente numa delegacia. Desta vez, o fixo tocou e a moça do telemarketing disparou:

_Boa TaRde, a senhora Giselle GeRms.. GeRmsno... Germsnotta está?

Ela morava sozinha e mais uma vez o telefone atrapalhava sua vida. Tentando se livrar logo da menina do outro lado ela respondeu:

_Olha, a dona Giselle foi trabalhar e só deve voltar bem tarde.

_Tem algum outro número que eu consiga falaR com ela? – insistia a vendedora de uma assinatura qualquer que não interessava.

_Não tem não. Sabe, ela é contra telefone.

_Ah sim, entendo. A editora X agradece sua atenção e deseja uma boa taRde. – tu, tu, tu...

A noite estava chegando e o telefone continuava a tocar:

_Oi mãe. Não, ainda não sei o quê eu vou fazer hoje. Pode deixar mãe, vou levar o juízo comigo. Mãe! Chega! Tchau. Tá, eu também te amo, posso ir agora? Tchau, beijo.

Pouco tempo depois foi a vez das amigas, o primeiro telefonema que ela recebeu com boa vontade naquele dia. Queriam tirá-la de casa, o que era uma boa ideia, já que assim seria mais fácil fugir dos problemas que a perseguiam há alguns meses. Elas contaram que haveria uma espécie de rave em um sítio em uma cidade próxima e que seria ótima.

Pensou duas vezes antes de aceitar o convite. Lembrou de um carinha ela gostava, mas a relação entre eles era um tanto estranha. Passava semanas ignorando a existência dela e, de repente, ressurgia. Ela não admitia, mas queria que ele ressurgisse essa noite. Recobrando a consciência e vendo que realmente precisava esquecer muita coisa, a moça concordou em ir e foi se arrumar.

Chegaram ao local e a festa realmente estava cheia e muito animada. Finalmente a noite prometia. O grupo de amigas foi direto para o bar e cada uma saiu de lá com uma bebida mais colorida que a outra. Apenas conversaram, beberam e observaram a multidão durante quase uma hora. Depois de alguns outros drinks, elas então foram dançar acompanhadas de seus copos. A cada música que tocava elas ficavam mais animadas e entravam mais no clima do lugar.

Como que para não deixá-la esquecer, o celular da garota Germsnotta voltou a tocar. Sem olhar no visor o nome que chamava, ela foi para um lugar que parecia tranquilo e “silencioso”.

_Alô? Alô?! ALÔ!!!

_Oi! Sou eu, onde você tá?

Era o carinha. Por um segundo ela ficou feliz e quis vê-lo novamente.

_Eu to num lugar que minhas amigas me trouxeram, não sei muito bem onde é. Oi?! Não tô te escutando. O sinal aqui é péssimo.

Ela tentou escutar uma resposta do outro lado da linha, mas não conseguiu. A ligação caiu. Sem muita opção, ou grande preocupação, ela voltou já dançando e sorrindo para suas amigas... e seu copo.

Alguns minutos depois, o celular chamou novamente. Está tocando uma música que ela gosta, mas a pontinha de saudade faz com que ela volte àquele lugar que parece menos barulhento.

_OI!? – ela já atende gritando para que ele pudesse escutar.

Do outro lado, uma musiquinha conhecida e a voz feminina anunciavam: “Chamada a cobrar. Para aceitá-la continue na linha após a identificação.” Tururu-rú! Ela desligou rapidamente e retornou a ligação para o garoto já sem o sorrisinho de antes.

_O quê foi?!

_Desculpa, meu crédito acabou. Onde você está? Quero te ver!

O sinal realmente era horrível, um passo para a esquerda e a ligação caiu novamente. Ela parou, pensou se valia a pena ligar pra ele. Preferiu voltar a dançar. Dançou com tanta vontade de esquecer os problemas que sua cabeça parecia ser um vácuo perfeito e seu coração, sem dar atenção ao que a atormentava, parecia vazio, uma simples bomba para a circulação sanguínea a fim de mantê-la ali, dançando.

As amigas já estavam achando as ligações insistentes estranhas e ela acabou contando o que estava acontecendo. Ao fim da história, e mais um drink, ela voltou a dançar, mas logo foi interrompida por outra ligação. Lá foi ela para o local exato onde o celular conseguia três pontos de sinal, deu end  na chamada a cobrar e retornou. Assim que ele atendeu, ela começou a falar:

_Olha, eu tô numa festa com minhas amigas, já não sinto meus pés ou minhas pernas de tanto dançar... eu to bêbada e feliz!

_Não consigo te escutar direito. Pode me mandar uma mensagem avisando onde você está ou onde posso te encontrar?

_Não, não posso! – ela bebeu mais um gole do líquido divertido que estava no copo que segurava. – Meu copo é mais importante. Não dá pra escrever uma mensagem com ele na mão. Quer saber a verdade?! Pára de me ligar, não vou mais te atender, na verdade te retornar. Liga lá pra minha casa... Fala com a minha secretária eletrônica... – a garota não se preocupava se o carinha estava ou não entendendo o que ela falava - Você não quis me procurar ou marcar nada antes, não foi? Agora eu estou ocupada, muito ocupada. Nada do que você me falar vai me tirar daqui. Tô me divertindo como há muito tempo não fazia. – virou o celular para a direção de algumas caixas de som - Tá escutando? Amo essa música. Já te disse, tô MUITO ocupada, pára de me ligar!

Ela terminou a ligação e com alguma dificuldade conseguiu desligar o aparelho definitivamente. Voltou cambaleando para onde achava que suas amigas estavam cantarolando (e dançando conforme a coreografia) a música que tocava “... I'm kinda busy. K-kinda busy K-kinda busy...”.

  

Baseado em: Telephone, da cantora Lady Gaga (com Beyoncè). Composta por Lady Gaga e Rodney Jerkins. Faixa 6 do disco The Fame Monster, de 2009.

 Escrito em: 28 de julho de 2010.

  Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 

19.7.10

Ensaio de uma reviravolta

Ele chegou no pequeno apartamento para o qual se mudou há pouco mais de dois anos. Estranho, mas nada daquilo que ocupa o espaço mínimo o agradava. Parecia que os móveis não o pertenciam, que as cores não foram escolhidas por ele, que aquele lugar, enfim, não era dele.

Estava cansado depois de mais uma sexta-feira previsível. Saiu do trabalho depois de horas exaustivas, ligou para a namorada e, como há cinco anos, fizeram o mesmo programa. Comeram o lanche de sempre, no lugar de sempre, foram ao cinema de sempre, ver um filme com o enredo de sempre. Em geral eles também vão juntos para o apartamento dele e transam como sempre. Dessa vez ele pediu para ficar sozinho depois que entraram no carro.

Ele abriu a geladeira, olhou para a última cerveja que estava na porta, fechou novamente e pegou um copo mais baixo no escorredor. Foi até o armário embaixo da televisão, pegou a garrafa de Jack Daniel’s e jogou-se numa poltrona. Serviu-se de bebida até a metade do copo e tomou de uma vez. Olhou para frente com o olhar perdido, em sua mente um zumbido incomodava. Derramou mais destilado no copo, mas não bebeu como antes. Seus olhos continuavam vidrados no nada. Começou a pensar no rumo que sua vida estava tomando. Bebeu um gole grande do whisky e imaginou seu futuro. Não que isso lhe desse muito trabalho. Ele e sua atual namorada se encontrariam após o trabalho, iriam ao velho restaurante, depois veriam mais um filme idiota e voltariam pra casa. Enquanto ela toma banho, ele checa uma última vez o email com a televisão ligada, transmitindo um jornal qualquer. Ela sai do banho, coloca o pijama e eles trocam de lugar. Ele se banha enquanto ela olha os emails. Vão para a cama, cada um vira para um lado, dizem “boa noite” quase que automaticamente e adormecem.

Ele reabasteceu o copo. Há muito já percebia que não eram mais um casal como costumavam ser. Ainda se amavam muito, mas eram frios um com o outro, não era mais tão divertido assim. Nem pra ele, nem pra ela, sabia disso. Sentia que alguma coisa estava para mudar, sua vida era repleta de transformações inusitadas, ainda que ele sempre conseguisse pressentir quando um furacão estava para atingi-lo novamente. Ele se levantou de supetão, jogou o copo ainda cheio na parede que passou tanto tempo contemplando e começou a urrar coisas sem sentido.

Gritou palavras para alguém que não estava lá. Perguntava se esse alguém estava se divertindo com a situação dele. Correu até a cozinha e derrubou uma gaveta com violência. Procurou no chão algo que mais parecia uma faca de açougue e apontava para o nada de forma ameaçadora. Com uma risada típica do seu vilão favorito dos quadrinhos falava para seu alvo invisível não temer porque aquilo era algo passageiro. Lágrimas escorriam pelo rosto e encontravam o enorme sorriso em sua boca. “Não precisa fazer essa cara! Daqui a pouco tudo isso vai acabar!” e dava uma gargalhada ainda mais alta. Em mais um ataque de fúria ele enterrou a ponta da faca na mesa de madeira ao lado do fogão e andou desgovernadamente até o quarto em que dormia. Fora de si o homem berrou sem parar: “Você quer assistir à televisão?” e jogou o aparelho contra o armário. “Ou será que prefere ir dormir”, virou o colchão e tudo o mais que havia em cima dele.

Da mesma forma como tudo começou, ele parou respirando de forma ofegante. Sentou-se no chão, apoiou as costas no armário e reparou no estado que estava o cômodo. As lágrimas continuavam molhando seu rosto. Olhou pela janela e viu uma noite sem nuvens, mas também, curiosamente, sem estrelas. Sempre gostou de deitar no chão e olhar para o céu. Passava horas fazendo isso quando podia. Pensar na possibilidade de voar... Sumir da vida que tinha nos últimos meses... Sentia-se preso num caixão sem forças o suficiente para se libertar dele, sem nem ao menos poder tentar.

Se levantou, foi até o banheiro e jogou água fria no rosto tentando se recompor. Esperava que os vizinhos não tivessem se assustado, ou chamado a polícia. Não queria ter feito aquilo com o apartamento. Até porque quem teria que arrumar tudo era ele mesmo. Pelo menos estava mais leve. Sua cabeça já não estava parecendo uma bomba prestes a explodir. Conseguia pensar em alguma coisa pra fazer, ou em alguém com quem conversar. Podia olhar pra frente e ver que aquilo era só uma fase e que, no final, tudo daria certo. Pelo menos era com isso que ele sonhava todos os dias. 


Baseado em: One of my turns, da banda Pink Floyd. Composta por Waters. Faixa 10 do disco The Wall, de1979.

Pedido de Rafael Mox 

 Escrito em: 15 de julho de 2010. 

 Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 


5.7.10

Delicadamente vingativa

Sempre achei que você já soubesse disso. Se era tão experiente como dizia - e falavam por aí – como pôde cometer um erro tão banal? A não ser que fosse por diversão, esporte, gosto pelo perigo... Mas acho que você não tem noção de que, comigo, o perigo era, não apenas maior, mas também mais real. Pelo que te conheço, posso ouvi-lo dizer “Eu rio na cara do perigo, Há-há-há...”. Patético você. Em toda a sua esperteza e coragem deveria lembrar que não sou exatamente como as mulheres “normais”. Não bato muito bem da cabeça... Não me lembro de ter te contado isso, mas sabia que uma vez um psicólogo me recomendou que tivesse uma consulta com um amigo dele, psiquiatra? Enfim, não vem ao caso, quem sabe um dia você não tem a chance de ouvir essa história mais detalhadamente.

Da primeira vez que você terminou comigo confesso que fiquei muito triste. Na verdade mais que isso. Passei no supermercado, comprei 5 potes de sorvete, aluguei pelo menos uns 10 filmes e fiquei dias sem sair de casa, não queria falar com ninguém. Nem as cortinas eu abria, muito menos as janelas. Quando eu acordava depois de dormir o dia todo sozinha, mal conseguia abrir os olhos de tão inchados que estavam. Acho que tinha motivo pra isso... Te peguei comendo a vizinha...

Depois de muita insistência – e quando eu não conseguia mais evitar as noitadas enchendo a cara -, meus amigos me tiraram de casa. A ideia inicial não foi minha, mas eles me convenceram a despertar a criatura vingativa que hibernava dentro de mim.

Hoje a situação mudou. Ainda me surpreendo com seus telefonemas a todo o tempo. Nem acredito quando ouço sua voz tentando se recuperar de muito choro, se lamentando... Não se preocupe, adoro esses telefonemas, não tem ideia do quanto me divertem. Impressão minha ou se arrependeu de alguma coisa? Continue assim, me deixa muito feliz. É verdade que por um instante tenho pena de você, mas logo volto a rir loucamente e sigo meu caminho.

Mal pude acreditar nas últimas ligações. Muito menos quando eu te encontrei dormindo na porta da minha casa. Agora você me pede pra voltar, diz que me ama, que não consegue viver sem mim e toda essa asneira. Sim, sem a menor vergonha ou piedade digo que você e nada são a mesma coisa pra mim. Você já não faz a MENOR diferença na minha vida. Quero mais que você vá para o inferno e leve consigo toda a sua futilidade e preponderância. Está solitário? Que coisa hein?! Foda-se! Pensa em suicídio? Faz um bem enorme pro mundo. Só te peço pra me avisar quando for se matar, não posso perder essa cena.

Todo esse seu discurso me faz rir mais e mais. Faz a minha vida muito mais feliz, sabe? Caminho sorridente pela rua. Reparou como o céu está mais azul nesses dias de outono? Um aviso: não se anime, isso é apenas o início. Não sabe como posso ser ainda mais... indelicada, digamos assim.


Baseado em: Smile, da cantora Lily Allen. Composta por Allen, Iyiola Babalola, Darren Lewis, Jackie Mittoo. Faixa 1 do disco Alright, Still, de 2006.

 Escrito em: 01 de julho de 2010.

 Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 


21.6.10

Fazendo um dia melhor

Sabe quando você está naquela fase meio que inferno astral? Nada dá certo, seus planos vão por água abaixo, você briga com sua família todo dia, mal tem tempo pra estar com quem gosta, o trabalho é um saco, nada presta na TV, no rádio ou na internet, cansou da vida que anda levando... Dizem que o inferno astral “de verdade” acontece no mês antes e no mês depois do seu aniversário (vai entender a lógica dos astrólogos...), mas na maior parte das vezes essas coisas acontecem quando você nem lembra que dia você nasceu, nem mesmo que você faz aniversário. Nessas situações, poucas coisas conseguem fazer seu dia melhor. Para nós mulheres uma coisa é quase infalível: chocolate. Mas bom mesmo são os amigos.

Você pode até pensar: não, prefiro estar com meus familiares. Não creio que isso seja tão certo. A chance de você discordar e brigar com algum parente (principalmente quando seu equilíbrio não está 100%) é maior que a de brigar com um amigo. Um raciocínio simples e clichê ajuda a lembrar que você nasceu nessa família por acaso, por isso pode não se dar tão bem com ele como você gostaria, já seus amigos... Vocês até podem ter se conhecido por acaso, (o que deve ser descartado em Belo Horizonte, onde só existem 3 pessoas), mas não foi por acaso que durante meses e anos vocês continuaram se vendo, saindo e se divertindo juntos. E a não ser que você esteja rodeado de pessoas do mais alto grau de falsidade (ou até mesmo seja uma delas), vocês curiosamente se chamam de amigos.

Em geral, apenas ter a oportunidade de estar com eles já muda seu humor. O dia pode estar todo errado. O céu tão cinza quanto o dos mais típicos dias londrinos. A pia da cozinha pode entupir e seu cachorro rasgar o sofá novo. Você simplesmente pensa porque saiu da cama naquela manhã. Receber o telefonema de um amigo muda as coisas. Por alguns minutos que seja você esquece aquele monte de coisas dando errado, além das tarefas atrasadas em todos os níveis possíveis.

A segunda-feira chega e você está enterrado no seu quarto depois de uma noite agitada na qual as únicas coisas que aconteceram foram você ter arrumado mais contas pra pagar e uma bela dor de cabeça de tanto ter bebido. Amigos pressentem situações assim e quando você menos espera um deles já está na portaria do seu prédio pra te fazer companhia. Ou, ainda que ninguém tenha aparecido, observar a foto deles pendurada na parede já te deixa mais animado.

É uma quarta-feira e você não acredita que a semana ainda está no meio. Por algum motivo está extremamente cansado e não suporta a ideia de ter que ir trabalhar. Enrola um pouco mais do que deveria na cama, desejando ter simplesmente perdido a hora. O chá de toda manhã já está esfriando, mas você não encontra ânimo nem mesmo para bebê-lo. Olha o relógio em cima da porta e respira profundamente ao pensar que perdeu o ônibus. É, o dia tem grandes chances de ser um inferno. Finalmente chega ao trabalho e obrigações e prazos começam a ser estipulados. Tem vontade de jogar as pilhas de papel pela janela, mas lembra que trabalha em um lugar sem janelas, apenas ar condicionado, o que só piora seu dia, já que não levou nenhuma blusa para se proteger da temperatura constante de 16ºC. Depois de vários colegas comentarem que deveria ir pra casa, pois está muito cansado para render como deveria, você sai do trabalho e não acredita na chuva que está caindo. Claro, o guarda-chuva está em casa. Tem uma sensação estranha de estar esquecendo mais alguma coisa.

Molhando todo o hall de entrada e as escadas, finalmente está na porta de casa. Huuuum... Que cheiro bom! Deve ter festa no vizinho hoje. Enquanto isso você vai ficar assistindo jornal e seriados na televisão, até porque está muito cansado pra pensar em qualquer outra possibilidade. Abre a porta. Várias vozes conhecidas gritam, cantam parabéns, alguém chega com uma toalha e você é abraçado pela sua namorada. Sim! Esqueceu seu aniversário, mas seus amigos não. Estão todos lá, todos que você verdadeiramente chama de amigo. Seus irmãos também te abraçam e, por último, seus pais aparecem. No meio da confusão alguém grita: “Discurso!” e é acompanhado por todo o resto. Pensa, pensa, mas uma única coisa insiste na sua cabeça. “Hoje meu dia foi péssimo. Acordei cansado, perdi meu ônibus, o trabalho estava... acho que não preciso comentar, peguei chuva, esqueci meu próprio aniversário. Só queria agradecer a vocês por fazerem parte da minha vida e fazer dela algo muito bom sempre! Muito obrigado!”. Entre um salgadinho e um copo de refrigerante (preferiu não abusar) observa as pessoas em sua casa e conclui que sim, apenas a presença deles já faz de qualquer dia o melhor de sua vida.


Baseado em: Thank You, da cantora Dido. Compositor não encontrado. Faixa 6 do disco No Angel, de 1999.

Escrito em: 17 de junho de 2010.

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)


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Dido - Thank You from Esteban Guerrero on Vimeo.

6.6.10

Bonzinho só se fode

Era uma vez uma garota conhecida por arrasar corações por onde passava. Usava e abusava de quem cruzasse seu caminho e se divertia sendo má assim. Até o dia em que se envolveu com um homem diferente que disse (e fez) abertamente tudo o que ela mais temia.

A estratégia dela, nada muito complexo, era fazer-se de apaixonada nos casos mais interessantes, usar todo um jogo de caras e bocas, palavras milimetricamente escolhidas, modelitos muito bem calculados, além da pose exigida pela situação. Construía e usava a personagem perfeita até que enjoasse da vítima em questão, o que, claro, só acontecia depois de ver o alvo aos seus pés, ao ponto de ouvi-lo dizer que ela era a mulher perfeita e tudo mais a que tinha direito.

O carinha especial apareceu na vida dela por meio da irmã. Aquele foi um caso rápido, sem qualquer sucesso ou importância para nenhum dos dois, que havia acontecido alguns anos antes. Para ele os genes daquela família eram os culpados pelo comportamento das irmãs. Elas compartilhavam o hábito de fazer crescer a libido masculina, cultivá-la e jogá-la para bem longe no momento que lhes parecia mais oportuno. Seria algum tipo de distúrbio psicológico?

Nossa protagonista chegou a se apaixonar por ele, mas não conseguia abrir mão de sua fama de má que tanto alimentava seu ego. Por outro lado, era incapaz também de controlar o envolvimento que aumentava a cada encontro, mas achou uma saída para sua “maldade” constante. No ápice de toda paixão que existia dentro dela, da sua boca, propositalmente, saía o nome errado. Justo quando ele estava querendo acreditar que ela o amava (ou sentia alguma coisa, pelo menos). Que finalmente o cupido havia mirado nela. Mas parecia que ainda não era esse o momento.

Quando ela confirmou que estavam juntos, foi uma nova esperança para ele. Novamente desiludido ao conversar um pouco com os amigos próximos da garota, percebeu que as coisas não eram bem como ele imaginava, teria que mudar seus planos. A relação quase que descompromissada era ótima para o casal. Alguns chamavam de “sexo casual”, que os satisfazia muito bem e mantinha os programas periódicos. Ainda assim, ela não perdia sua pose de má e fazia questão de dizer para quem quisesse ouvir que ele não passava de um mero aprendiz.

Aquela situação só aguçava os interesses do homem que insistia em entender o que realmente se passava na cabeça daquela com quem estava se envolvendo. A história que viviam permitia algumas regalias que em geral não aconteciam entre os casais mais casuais. Sempre que encontrava a chance ele questionava à garota o que ela queria de verdade. Completava afirmando que ela estava à procura de um homem rico e nada mais, mas que a busca estava difícil naqueles tempos. Nenhum novo rico circulava solteiro por mais que algumas semanas. Ele avisava que o transe hipnótico no qual ela vivia estava para acabar e que logo estaria presa a uma coleira muito bem apertada.

A previsão se fez realidade e o cara que até o momento parecia ser apenas uma pessoa boa mostrou que também podia ser mal e que era ainda melhor assim. E não por simples diversão. Utilizando de estratégias bem conhecidas pela garota, e outras tantas exclusivas do universo masculino, ele inverteu o jogo. Não deixou que ela falasse uma palavra sequer, apenas fez com que ela admitisse que gostava do jeito dele de fazer as coisas. Naquele momento era ela quem não conseguia mais esquecer ou esnobar o carinha. Não adiantavam telefonemas supostamente sem importância ou qualquer outro recurso que ela tentasse. Estava sujeita às próprias maldades. Não era mais ela quem estava no controle. Qualquer tipo de “por favor querido” era ignorado por ele, reação que tinha o poder de alimentar a ânsia da garota em vê-lo e tê-lo de novo, de novo e de novo. A esnobada da vez era ela.

Finalmente ela admite estar apaixonada e abobalhada, não consegue mais fingir tão bem. Agora tem quem dê a ela tudo o que precisa, na intensidade certa. Formaram o par perfeito. Durões um com o outro, eram capazes de fazer quarto, cozinha, sala, banheiros e afins ferverem como poucos casais.


Baseado em: Falling In Love (Is Hard On The Knees), da banda Aerosmith, letra de S. Tyler/ J. Perry/ G. Ballard. Faixa 2 do disco Nine Lives, de 1998. 

Escrito em: 02 de junho de 2010. 

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 

Vídeo 1:

 

Vídeo 2:

Um pouco mais pra esquerda era onde eu estava! ^^

24.5.10

Para onde você vai

Como milhares de jovens de vinte e poucos anos ao redor do mundo, a polonesa, então estudante universitária, resolveu conhecer melhor alguns cantos longe de casa. Devido às suas condições de estudante, o plano de desvendar lugares distantes e exóticos se resumiu a um “passeio” pela Europa. Começaria por Portugal, passaria pela Espanha, subiria para a Inglaterra, iria para a França pelo Eurotúnel e terminaria na Itália. Tudo isso apenas com uma imensa mochila nas costas e sem conhecer muita gente pelo caminho.

Ela estava se despedindo do território francês e indo de encontro ao seu último destino quando o conheceu. Era um engenheiro italiano que voltava de uma viagem a trabalho. Sentados lado a lado durante toda a viagem, o homem se tornou um amigo de grande ajuda na viagem à Itália para a polonesa e, depois de alguns dias, eles admitiram estarem apaixonados. Aproveitaram cada segundo da garota na Itália. Conheceram restaurantes, parques, pontos turísticos obrigatórios, cidades diferentes, praias do Mediterrâneo, lugares românticos. Esses, não faltavam em Veneza, onde ele morava.

Enfim o dinheiro acabou, as aulas iriam recomeçar e ela não teve outra escolha que não voltar para casa, em Varsóvia. Até o último segundo estiveram juntos, fazendo promessas de se reencontrarem o quanto antes e de se falarem todos os dias.

Ele tem vontade de largar tudo na Itália e ir ao encontro de sua amada. A cada dia que passa essa vontade cresce, mas lembra que não pode, que ainda não dá. Precisa juntar mais dinheiro. Com a ajuda de seus amigos e família suporta mais algum tempo. Por outro lado, todos os dias, assim que sai do trabalho, vai à praia sentir a maresia. É como senti-la sem poder tê-la. O vai-e-vem das ondas o acalma. Dentro em pouco estará onde seu coração está. Não importa onde, apenas que estejam juntos. Onde será que ela está agora?

Já de volta ao último semestre da faculdade a estudante luta para se concentrar. Está triste e não pode esconder. Quando chega a noite ela sai à varanda do seu quarto para olhar as estrelas. Não são tão belas quanto as italianas. Acha graça quando percebe o contorno de um coelho na lua cheia. Busca respostas no céu sobre tudo o que ela está passando, mas não é atendida. Pensa em seu amado, mal pode se conter de tanta ansiedade em reencontrá-lo. Em pertencer ao mesmo lugar que ele. Por onde ele deve estar andando indo?

Em uma das centenas de conversas que tiveram desde a separação ele disse: “Se durante esse tempo que estivermos separados você ficar cansada, tenha certeza que volto a te encontrar para que se recupere e, apenas quando estiver tudo ok novamente, retomamos nossa atual rotina.”

Ele não é nenhum herói e AINDA não pode mudar a situação, nem ao menos responder às questões da polonesa que tanto ama. Porém, a única certeza que tem é que pertence a ela, que quer estar ao lado dela aonde quer que ela vá. Para eles não importa onde estarão: no país dele, no país dela ou qualquer outro território do planeta. Apenas desejam estar juntos.

Alguns meses se passam. Algumas visitas acontecem. Ela se forma na presença dele. Ele é promovido, para a felicidade do casal. Junto com o novo cargo, a possibilidade de ser transferido para uma filial em Paris. Com a ajuda de amigos parisienses ela consegue um bom emprego na capital francesa. Eles se casam. Agora, finalmente, podem seguir seu caminho juntos.

 

Baseado em: Where are you going, da banda Dave Metthews Band, letra de Dave Matthews. Faixa 3 do disco Busted Stuff, de 2002.

Escrito em: 20 de maio de 2010. 

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 

11.5.10

Do meu primeiro clássico

Devia ser uma terça ou quarta-feira quando aceitei uma proposta de muito tempo. Estava vendo uma novela das oito – que é transmitida às 21h – quando o telefone tocou: “Vai ter clássico domingo que vem e eu vou comprar os ingressos amanhã. Você vai com a gente?” Pensei por cinco segundos e respondi que sim. Apesar de ser o primeiro jogo entre Atlético e Cruzeiro do ano, não era bem assim que eu imaginava minha estréia no Mineirão. Não sou fã de futebol – não mesmo – e tinha certo receio de ir a um clássico, ainda que fosse de cadeira especial (lê-se torcedores dos dois times juntos que se comportam de forma mais civilizada).

Quando comecei a divulgar o acontecimento do mês, poucos não ficaram surpresos. Afinal, não sou ligada nem a futebol, nem a esporte nenhum. Enfim, sim, eu ia. Finalmente mataria minha curiosidade de assistir a um jogo do estádio – nada mais chato que fazê-lo via televisão – e o meu principal objetivo, ver as torcidas em ação.

Depois de muita espera, o tão aguardado dia começa. Por minha causa, chegamos (eu, uma amiga e dois amigos) depois do início do espetáculo. Não do jogo, mas da apresentação dos times e da troca de xingamentos entre as torcidas. Confesso que queria ter visto isso, mas terei outras oportunidades, espero.

O jogo começou e as torcidas logo desviaram minha atenção daquele bando de homens correndo atrás de uma bola que, a propósito, tem uma capacidade incrível de fazê-los passar raiva. Com o chute de um ela vai em direção à trave, em outra situação passa perto do gol, sem dar chance de ser cabeceada e, finalmente, entra na rede. Cruzeiro 1X0 Atlético. Toda aquela gente se agita. Do lado oposto de onde estava, a Máfia Azul vibra e prende o meu olhar.

Tentei me atentar um pouco mais ao que estava acontecendo no gramado. Impossível, as torcidas são fantásticas! Fiquei imaginando como a vida daquelas pessoas era ligada ao futebol. Bandeiras penduradas pela casa, faixas de campeão, pôsteres do time, entre milhares de outros detalhes. Só não trabalham com a camisa do time porque não pega bem. Regra que não se aplica à maioria. Às vezes até fico triste por não ter um time de coração. Primeiramente porque adoro camisas de futebol, em geral são muito legais e bonitas. Outro motivo: adoro ver o orgulho dos torcedores vestindo o que chamam de “manto”, o escudo ao lado do coração (coisa que não fariam nem pela própria mãe).

Olha! Gol de novo! Fico triste pelos meus amigos e alegre pela amiga. Cruzeiro 2X0 Atlético. Os atleticanos não se deixam abater. A raiva e a tristeza passam depois de algumas dezenas de palavrões e socos no ar, logo voltam a cantar e berrar pelo time. Peço desculpas aos cruzeirenses pela minha declaração, e aos atleticanos pela ofensa, mas os torcedores do Galo mereciam um time melhor. A paixão dessa massa me contagia.

Meu amigo até tenta me contar quem é quem em cada equipe e tudo mais. Zagueiros, centroavantes, laterais, defesa e afins. “Tá vendo aquele cara ali? É com ele que a gente tem que se preocupar. É o melhor jogador deles”. É... Não me interesso por futebol, contrariando o sangue brasileiro.

Comecei a reparar nos jogadores então. Ao que parece, a maior parte é de origem pobre e talento de sobra. Conseguiram tornar o sonho de infância em profissão reconhecida. Se antes eles jogavam bola com os pés descalços num campinho de terra batida, agora vestem as melhores chuteiras e são considerados quase heróis nacionais ao pisarem no tapete verde (melhor não render esse assunto). Para os presentes no Mineirão naquela hora, além de bilhões de outros fanáticos pelo mundo, futebol é tão importante quanto a própria vida. Não importa se o sol se extinguir ou explodir amanhã, para isso os estádios são equipados com iluminação artificial e os clubes tem uniformes para dias frios. Tanto faz o que acontece no resto do mundo, tem um jogo de futebol agora.

Novamente me divertia com as torcidas quando ouço um coro diferente e pessoas perto de mim gritando: “Pênalti!” Era a chance do Galo começar uma virada. Confirmando as probabilidades: Cruzeiro 2X1 Atlético. “O Galo é o time da virada/O Galo é o time do amor” Nunca me esqueci dessa música apesar de ter escutado tantas naquela tarde. Volto a dizer que essa torcida me contagia. Depois disso consegui me concentrar no resto do jogo e cheguei a gritar pelo time. “O Galo tem 15 minutos pra fazer outro gol. Vamo lá Galo!”, meus amigos se desesperavam junto com os atleticanos ao redor. Ao lado, minha amiga não parava de sorrir.

Não foi dessa vez. Daquele clássico o Cruzeiro saiu vitorioso. Enquanto a torcida do Atlético ia deixando o local, a do Cruzeiro comemorava.

Eu? Estava feliz da vida. Nunca imaginei que fosse gostar tanto de ir a um jogo. Os mais de 90 minutos passaram numa velocidade incrível. Confesso que uma partida de futebol é emocionante. Por fim, admito também que espero que essa tenha sido apenas a minha primeira visita ao Mineirão. 

 

Baseado em: É uma Partida de Futebol, da banda Skank, letra de Samuel Rosa e Nando Reis. Faixa 1 do disco O Samba Poconé, de 1996.

Escrito em: 05 de maio de 2010.

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 

Skank - Uma Partida de Futebol from TvZERO on Vimeo.

24.4.10

Diagnóstico: Paixonite Aguda

Já faz um bom tempo que você terminou tudo comigo, eu sei. Cinqüenta e dois dias para ser mais precisa. Acho que dá pra perceber que temos um problema aqui. Infelizmente sei que você já não me ama mais, mas... É simplesmente impossível esquecer você e tudo que vivemos como alguns persistem em aconselhar. Todos os dias, cada um deles desde então, eu penso em você. Choro por você. Rezo e imploro por você.

Minha mãe, como você deve imaginar, diz que eu não deveria me acabar assim. “Existem muitos homens por aí. Melhores que seu ex, por sinal”. Ela é incapaz de perceber como está equivocada. Insiste que você não me merecia e repete o discurso de como um velho amigo meu seria meu par ideal. Apesar desse amigo realmente ter sido o único homem no qual acreditei logo que nosso relacionamento acabou, essa chance apenas não existe. Sim, admito que ele saiba do que preciso (ou quase), no momento em que preciso e o que fazer na hora exata. É gentil com as mulheres e tudo mais, mas, honestamente, nunca haveria essa possibilidade. Passamos nossa infância juntos, somos quase da mesma família. Enfim, não mãe. E volto a chorar, rezar e implorar.

Por mais que seja falso, queria ouvi-lo dizer que me ama mais uma vez. Não me importo em ser enganada. Apenas finja que me ama. Ou algo do tipo. Agora que me deixou, diga que precisa de mim, por favor. Não quero saber o que as pessoas falam ou tentam “avisar”, como costumam dizer. Me deixe iludir, acreditar que ainda é possível. Você não sai da minha cabeça. Passo todo o tempo apenas chorando, implorando por você. Porque não dar uma nova chance? Ainda tento encontrar uma justificativa para tudo ter acabado como acabou. Não me importo com o que pode acontecer, só não quero que você se vá.

Sabe, desde aquele dia ando pensando - desesperadamente, eu diria – no que foi que eu posso ter feito de errado. Estávamos tão bem, mas não mais que de repente, você se foi. Há alguma coisa diferente que eu poderia ter feito? Qualquer coisa que faça você voltar. Todas as vezes que levanto da cama depois de uma noite em claro, com os olhos inchados e o travesseiro molhado de tanto derramar lágrimas lá vem minha mãe: “Ele não te merece. Falo isso para te proteger. Não quero que se machuque.” Primeiramente tenho certeza que sim, ele me merece e quem sabe disso sou eu. Merece mais que nenhum outro. Até porque não quero nenhum outro. Mais uma coisa: deixe que eu quebre a cara se for o caso. Não quero que me proteja assim. É tão difícil de aceitar?

Não me importo mais. Faça o que quiser, mas me deixe acreditar que você ainda me ama. Apenas fique comigo e diga que precisa de mim. Eu sei que precisa. É só uma simples frase. Não entende que nada mais me interessa que não você? Vá em frente, me iluda.

Baseado em: Lovefool, da banda The Cardigans, letra de Nina Persson e Peter Svensson. Faixa 7 do disco First Band On The Moon, de 1996.

Escrito em: 23 de abril de 2010.

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

Nota da autora: Quer ver o início dessa história? Clique aqui.

10.4.10

Eco chato na hora do almoço

           Consegui chegar mais cedo hoje. Sem o trânsito caótico comum pra hora do almoço cheguei em casa 11h30, mais ou menos. Como não tinha nada pra fazer enquanto espero minha lasanha esquentar no microondas , me distraí com as pessoas que via pela janela da sala, indo e vindo por aí. Comecei a pensar em algumas coisas...

Sei que não posso falar muito. Já fui assim também. Mas se eu mudei, porque raios vocês não conseguiriam fazer o mesmo? O mundo moderno é realmente fascinante. Tecnologias incríveis, avanços científicos milagrosos, laços sociais inacreditáveis. Tenho uma leve impressão que nosso planeta não suporta mais esses jogos que inventamos e adoramos. A situação parece estar ligeiramente crítica, não acha? É o apocalipse, 2012.

            Quando olhamos um pouco à nossa volta, o que mais vemos? Pessoas se matando, outras morrendo, algumas corrompidas, crianças e famílias passando fome, sofrendo e tudo mais a que tem direito. Sem contar nas chuvas, ventanias, furacões, terremotos, maremotos... Esqueci alguma coisa? Tenho quase certeza que alguma coisa está errada.

            Já reparou como a hipocrisia ainda comanda a sociedade. Sente-se num banco de praça e observe. Eles passeiam felizes, fazem de conta que está tudo bem, tudo na mais perfeita normalidade. Apesar de que, pensando melhor, para eles as coisas não estão tão ruins assim. Que se danem seus descendentes. Já estarão longe, debaixo da terra quando a situação começar a incomodá-los de verdade. Ainda não se sentem atingidos por todo o caos no qual estamos vivendo.

            Infelizmente continuamos incapazes de perceber que o necessário é uma ação conjunta. Não vamos conseguir resolver nossos problemas sem atitudes em grupo. Certa vez li que a sociedade só existe devido à interação entre aqueles que a compõe (algum texto de Teorias da Comunicação, provavelmente). Acordemos para a vida real – antes que até mesmo ela deixe de existir.

            Outro dia fui jantar em um restaurante que sempre frequento. Adorava aqueles pratos exóticos, com frutos do mar de todos os oceanos, especiarias nunca vistas nas feiras e frutas de países subdesenvolvidos. Uma comida realmente saborosa não se acha em qualquer lugar! Quando o já conhecido garçom me trouxe o cardápio me assustei. O menu estava um tanto quanto mudado. Meu quase amigo explicou que os pratos antigos estão fora de moda, mais do que isso, os responsáveis pelas compras enfrentavam grande dificuldade em encontrar os ingredientes clássicos do restaurante. Fosse para vender já com algum tratamento industrializado ou mesmo o in natura. Aliás, nos últimos anos comprar produtos “in natura” passou a ser uma das atividades mais áridas e raras que existem na culinária, já reparou?

Costumávamos nos divertir bastante mundo afora. Tanto que não nos restou quase nada. Agora o planeta já não nos dá opção. Temos que seguir as novas regras se quisermos continuar por aqui. Só acho que parte de nós ainda não entendeu isso. Uma parcela realmente significativa, diga-se de passagem. Tivemos a capacidade – e a insanidade – de alterar o equilíbrio de algo tão grande quanto a Terra! Quanta burrice junta.... Até me desanima.

            Às vezes paro e fico imaginando o que será o mundo daqui algumas décadas. Não sei se rio ou se choro da desgraça que está por vir. Precisamos mesmo acordar para a realidade. E com enorme urgência. Aprender com o que já aconteceu, aprender que não podemos continuar assim, que não somos tão poderosos e incríveis como a vida moderna planeja.

            Enfim, isso não é tão importante, apenas uma divagação...

            3... 2... 1... PIIIIIIIIIIII... [FINAL]    [FINAL]         [FINAL]

            Lasanha pronta! Aceita um pedaço?

Baseado em: When You Gonna Learn (Digeridoo), da banda Jamiroquai, letra de J. K.. Faixa 1 do disco Emergency On Planet Earth, de 1993.

Pedido de Jú Afonso.

Escrito em: 07 de abril de 2010.

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)