23.2.10

Apenas um desabafo

Gosto desse lugar. Boas lembranças vêem à minha mente. Hoje a praia está deserta. O mar calmo bate sistematicamente no casco de um velho navio. Algumas algas desenham na areia com a ajuda das ondas. Sara, onde você está agora?

Tento me lembrar de como nos conhecemos. Apenas algumas imagens aparecem. Seu sorriso, seu olhar. Foi em uma noite de inverno. A lua cheia iluminava a neve enquanto conversávamos. Já a primeira vez que te vi é como se fosse agora. Você passeava solitária na beira da praia com os pés descalços sendo molhados pelo mar. Um vestido branco de algodão até os joelhos e com os ombros de fora.

Poucos anos depois nos casávamos em Lily Pond Lane. Sara, como você estava linda! Você se entregou a mim, belo anjo virgem. Os sinos marcaram o início de uma nova fase da minha vida.

Mesmo recém-casado nunca parei de viajar, agora com você sempre ao meu lado. Certa vez, no Chelsea Hotel, passei dias compondo uma canção para você, lembra? Sara, eu te amo. E isso eu nunca poderei negar.

Mais alguns anos se passaram, vieram as crianças. Primeiro os dois meninos, logo depois nossa querida garotinha. Doce como você. Os meninos a defendiam de tudo e faziam questão de cuidar e brincar com ela. Diversas vezes viemos à praia com eles. De vez em quando conhecíamos algum lugar diferente – como aquele inverno com histórias sobre Branca de Neve. Para ser honesto, raramente não íamos para a praia, principalmente essa aqui. Nós a adorávamos e as crianças também. Sara, como você se divertia aqui.

Passava o dia todo brincando com os pequenos. Enchendo os baldinhos de areia e ajudando a construir castelos, abrindo piscininhas para a nossa filha, catando conchinhas para enfeitar a areia. Levava água de tempos em tempos para as crianças beberem. Outras vezes chamava para comer alguma coisa na mesa em que estávamos. Enquanto isso eu ficava deitado na duna, admirando o céu e você. Quando eu me distraía você chegava por trás, de surpresa, me abraçava e dava um beijo. Você sempre esteve ao meu alcance.

Oh Sara, o que eu fui fazer! Comecei a desconfiar de você, sem o menor motivo. Você sempre ao meu lado, e eu falhei com você. Achava impossível que alguém como você estivesse com alguém como eu.

Me tornei um homem chato, implicante e, acima de tudo, desconfiado. Apesar das suas explicações racionais e das lágrimas manchando seu rosto, não conseguia agir de forma diferente.

Entendo seus motivos. Teve razão Sara. Será que foi isso que fez sua mente mudar? Sei que será difícil ter o seu perdão, mas continuarei tentando. Por favor, não me deixe.

Baseado em: Sara, de Bob Dylan, letra dele. Faixa 9 do disco Desire, de 1976. 

Escrito em: 17 de fevereiro de 2010.


5.2.10

Ao Senhor Encantado.

Querido Príncipe Encantado,

Pelo menos é assim que eu deveria começar essa carta. 

Príncipe Encantado. É o sonho de (quase) toda menina que cresceu ouvindo contos de fadas, lendo histórias de amor, vendo novelas das seis, escutando músicas apaixonadas e tudo o mais que tinha direito. A maior parte dessas meninas cresceu iludida com uma imagem sua. Claro, você aparecia da forma mais perfeita e de acordo com aquilo que mais interessava cada garota. 

É a criatura mais perfeita que poderia existir. Sorriso colgate, olhar penetrante, cabelos ao vento – como se tivesse um ventilador particular na sua frente o tempo todo. Amor a primeira vista. Pelo menos é isso que as meninas apaixonadas prevêem que vai acontecer. Elas se agarram com tanta força nesse amor que não admitem nada abaixo, ou diferente. Louro ao invés de moreno? Não, obrigada! Um pouco menos alto? Impensável! Sapato 42 no lugar do 44? Nunca! Elas já amam você. Vai demorar muito para que se libertem do “Sr. Encantado”. 

Você sabe que é tão perigoso quanto uma arma nas mãos erradas. E gosta disso. Se diverte observando suas vítimas presas a você. Elas não têm para onde fugir. Você continua no inconsciente delas. É quando as leva para o inferno. Meninas que sonhavam com o mundo encantado do “... e viveram felizes para sempre”, agora vivem amarguradas, com o coração destroçado. Parabéns Sr. Encantado! Conseguiu novamente. 

“Meu Deus! Aos 14 anos sem namorado! Já era. Vou ficar sozinha pelo resto da minha vida.” É, a menina já dava sinais de resultado. Era incapaz de olhar ao seu redor e perceber, no mínimo, dez garotos aos seus pés, principalmente se ela quisesse. É fato, nenhum deles era você. O amor agora tem um novo significado. E a culpa é toda sua. Príncipe Encantado filho da puta! 

Anda por aí, arrasando corações por onde passa. Enrolando uma aqui, outra ali, seu esporte preferido não é? Seu objetivo? Derrotar o exército inimigo ou conquistar 24 territórios. Quem sabe 18 territórios mais um continente a sua escolha? Pensando bem, pessoas da sua laia preferem a opção, conquistar o mundo, não é?! Ataca todos os tipos possíveis. As mais inocentes, desvirginava fingindo que era crente... aliás, uma pergunta: alguma vez você rezou na sua vida? Até mesmo as mais atiradas. Tem a arte de mantê-las sob seu comando. Ficavam semanas esperando um sinal de vida seu. Conseguiu acabar com namoros com uma aparição aqui, uma conversa ao pé do ouvido ali.  

Mas nenhum desses é o tipo mais comum. As que ainda esperavam por você ansiosamente. Suas vítimas preferidas. Elas ficavam anos sonhando com a sua chegada – de preferência em um cavalo branco, claro. Suspiravam pelos cantos e tudo mais. Seu filho de chocadeira! Quando você finalmente aparece, a menina quase tem um treco de tanta emoção de ter encontrado o amor da vida dela. Ainda dá esperança. Deixa um beijo de recordação e some de novo!  É o que você chama de primeiro beijo de despedida, certo? Elas seguem todas as regras como são desejadas, fazem a parte delas, mas você prefere jogar do seu jeito

Pois bem Sr. Encantado do Inferno, saiba que as coisas estão mudando. Você está fora de moda e esse tipo de “amor” também. Ficou desatualizado, sabe? Ganhou má fama. Como já diria minha avó, mulher é um bicho que gosta de sofrer. Mas pelo menos agora sofremos por pessoas reais, que valem à pena. Sinto informar, mas príncipes encantados não estão mais nos nossos planos. 

 

Baseado em: You give love a bad name, da banda Bon Jovi, letra de BonJovi/ Child/ Sambora. Faixa 2 do disco Slippery when wet, de 1986.

Escrito em: 02 de fevereiro de 2010.

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 

 

Notas da autora:

1)Sim, eu amo essa coisa baranga e purpurinada dos anos 1980.

2)Detalhe pra calça do senhor Richie Sambora (guitarrista). É conjunto com a blusa de estrelas!

3)Repara na cena em que Tico Torres (baterista) joga uma baqueta pra cima.

4)Jon Bon Jovi (vocalista) esfregando o dedo na câmera pra reforçar o “bad name”. Mara!

5)Sim, um dia eu viro crítica de videoclipes! Especialidade? Hard Rock e afins.