11.11.11

Continuando...

Ela abriu a caixa de entrada do e-mail como fazia repetidamente todos os dias. Mas dessa vez havia uma mensagem completamente inesperada e de alguém que há muito tempo não via:

“Oi, tudo bem?

Há quanto tempo não nos falamos! Sinto muito a sua falta. Pra falar a verdade não sei muito bem qual foi a última vez que nos vimos. Logo antes da sua viagem? Ou aquele aniversário foi depois? Tenho muitas coisas pra te contar. Nem se quisesse você imaginaria as coisas que andei fazendo! Hahaha! Na verdade, eu também não cogitaria fazer parte do que fiz.

Umas pessoas que estavam muito próximas de mim até pouco tempo disseram que era como se eu ‘convidasse o Diabo para um lanche da tarde’. Achei a expressão meio estranha, mas até que de certa forma faz sentido. Não estava me preocupando com minha integridade mesmo!

Nessas últimas semanas fiquei pensando em como não ter você na minha vida mudou também o meu jeito de ser. Não consigo mais me acalmar ao ponto de sentar e ler um livro como era de costume. Lembra? Queria muito poder te ver novamente. Retomar a amizade. Se é que ‘retomar’ é a palavra certa. Talvez seja mais dar continuidade a tudo o que já vivemos. Não acredito que esse hiato tenha afetado o que temos. Pelo menos falo por mim. Continuo sendo fiel a você, é só me chamar que vou estar aonde você precisar.

Mas talvez agora eu é quem esteja precisando de alguém aqui. Das horas de conversa que têm mais eficiência que qualquer terapia. Queria tanto passar um dia inteiro com você, apenas conversando, comendo bobagens, assistindo filmes repetidos. Estar em uma ilha deserta seria ótimo! Protegida por um mar revolto seria um esconderijo perfeito para que nada mais nos perturbasse. Aiai! Como eu queria que isso realmente fosse uma alternativa.

Agora que crescemos podemos fazer o que sempre quisemos também! Achar uma estrada vazia e colocar mais de 100 km/h num carro ao som da nossa banda favorita (aliás, também continua sendo a sua?)!

Sei que quando nos vermos novamente tudo o que está errado agora vai encontrar seu lugar. Como sempre aconteceu quando eu estava na sua companhia. Parecia que no mundo não existia mais nada além de nós! Saudade dessa sensação. Saudade de você.

Espero que você ainda queira continuar essa nossa história como eu quero.

Espero que me responda. Vou esperar por uma resposta.”

Ela então esticou as mandas do moletom que vestia e enxugou as lágrimas que ainda escorriam. Com um enorme sorriso no rosto selecionou a opção “Responder” e começou a escrever como tudo aquilo ainda era verdade para ela.

Baseado em: 60 miles as hour, da banda New Order. Composta por B. Sumner, S. Morris, P. Cunningham, G. Gilbert e T. Chapman. Faixa 2 do disco Get Ready de 2001.

27.9.11

Ponto final

Ambos sabiam que as coisas ali não estavam muito bem. Depois dos últimos acontecimentos sustentar a situação e a relação ficou ainda mais difícil para um lado. Por mais que o outro soubesse das bobagens que havia feito, insistia para tentarem uma nova chance. Lá estava a oportunidade, mas nada mais era como antes.

“Você tem consciência do quanto me machucou. De como eu sofri com suas atitudes, do quanto chorei por ver que o amor da minha vida, por mais que me dissesse o mesmo, não se preocupava com meus sentimentos...”

“Me preocupo, sempre me preocupei! Se aquilo aconteceu foi porque eu não tinha ideia do que estava fazendo. Não tinha controle dos meus atos. Me desculpa, me perdoa... Nunca quis te fazer mal.”

“Foi exatamente isso que você me disse da última vez. Dei uma nova chance pra gente, mas você simplesmente pegou meu coração e quebrou em milhares de pedaços. Não dá. Achei que você fosse me trazer de volta a felicidade que um dia tive ao seu lado. Não foi bem isso que aconteceu. Não foi essa a sua escolha.”

Momento de silêncio. Não havia lágrimas naquela conversa. Apenas a emoção tomada pela razão de um lado e a procura de argumentos de outro.

“Não saia da minha vida. Volta pra mim... Volta pra mim...”

“Não consegue ver o que está causando na minha vida? Sim, já fui muito feliz ao seu lado um dia. Essa história já significou muito pra mim. Mas tudo foi destruído por você. Pegou meus sentimentos e me deixou só.”

O outro lado tentava com todas as forças ser convincente, provar que o que dizia era verdadeiro e sincero, porém não tinha mais de onde tirar motivos lógicos para que a relação não terminasse. O que restou foi continuar ouvindo e sofrendo. Por mais que tivesse feito muita coisa errada, aquela vida era muito importante.

“Eu te avisei antes. Não esperava que tudo acabasse assim. Você não me deixa escolha. Não posso mais me torturar. Você ainda é o amor da minha vida, mas o tempo vai passar...”

“E eu vou estar sempre lá por você. Não me deixe. Pode passar o tempo que for. Eu nunca vou deixar de te amar. Quando tivermos envelhecidos sentados em cadeiras de balanço, eu vou até você para te lembrar que ainda te amo. Vou continuar te amando até o dia que você voltar para mim. Até o fim.”

A ausência de palavras agora era do suposto lado “correto” daquela discussão.

“Será que não sabe o quanto você é importante pra mim? Sei que fiz muita merda, mas... por favor, volta pra mim. Você é o amor da minha vida.”

Aquelas palavras sim, tiraram a capacidade de falar de um dos lados. Porém não corrigiram os erros ou apagaram o passado mais recente. Sem mais o que falar, mas crente em tudo o que passava pela sua cabeça, tudo o que esse fez foi dar as costas e seguir seu caminho (agora) solitário.

Baseado em: Love of my life, da banda Queen. Composta por Freddie Mercury. Faixa 9 (ou 2 do Lado B) do disco A Night at the Opera de 1975.


1.9.11

Velha história

A noite de sexta-feira estava apenas começando quando você me ligou. Há quanto tempo não saíamos juntas! Estava mesmo com saudade das nossas risadas e fofocas depois de um longo dia de trabalho. Você já estava no boteco de sempre próximo ao centro da cidade e apenas me intimou a te encontrar lá. Ou seja, senti que era o tipo de pedido irrecusável.

Assim que cheguei te encontrei sozinha já com uma garrafa de cerveja aberta. Você não parecia estar bem e meu sexto-sentido já dizia o que tinha acontecido, era a mesma velha história de novo. Sentei na cadeira à sua frente e logo senti a quantidade de urubus olhando para nós. Nenhum deles te interessava. Apenas seu passado te interessava. O mesmo cara, o mesmo lugar, a mesma situação estranha, a mesma sensação de abandono, o mesmo descaso.

Não havia novidade nem na sua fala nem na minha. “Você precisa se livrar disso. Parar de insistir numa coisa que nunca deu certo nem tem nada pra dar certo”, eu insisti em te dizer para largar essa história de uma vez por todas, mas isso não surtiu muito efeito. Você me disse que o revival só aconteceu porque você estava carente, perdida por aí. Não, não foi isso. Te conheço e pelo que estou sabendo opções não te faltam. E essa não foi a primeira vez. “Você não quer admitir, mas já deixou escapar muitas histórias mais interessantes que esse seu passado que não te deixa. Além de tudo, você sabe muito bem que ele não te faz bem. Nunca te fez”

Algumas garrafas de cerveja a mais e eu continuava a te dar motivos pra dar adeus a tudo o que envolvesse esse cara. “Nem você acredita mais nisso. Se convenceu de que não vale a pena, que só alimenta uma mágoa que não de traz nada de positivo. Eu me importo com você. Quero te ver bem de novo!” Você ensaiava um sorriso, mas era claro que não eram essas as palavras que você queria ouvir, mas as que precisava. “Desculpa se estou pegando pesado, é que estou realmente preocupada com você” Momento de silêncio. A essa altura a cerveja já havia sido esquecida. “Não se arrependa de nada que tenha feito. Terminar o que já não estava dando certo foi a melhor coisa que havia pra ser feita, por mais que a chance da recaída existisse. Mas agora já deu. Pensa pra frente, num possível futuro. Pára de ficar admirando uma história que não funcionou”

Sabia que você concordava comigo, por mais que não me dissesse uma palavra sequer. “Agora é hora de parar de andar por este caminho. Escolhe algum outro. Qualquer um que seja diferente deste” Dei uma olhada ao redor e o bando de urubus continuava a nos rondar. “Ei!”, eu chamei sua atenção de volta pra mim, “já reparou nas mesas ao nosso redor? Parte pro ataque. Chega de ficar se remoendo. Isso não faz bem pra ninguém e não tem nada a ver com você! E como você mesma diria, nada como um novo item no cardápio para excluir um que não agrada! Quem precisa de uma recauchutada no cardápio agora é você, amiga”.

Não, naquela noite não apareceu nenhuma nova opção no seu menu, mas espero que pelo menos um dos pratos principais tenha saído definitivamente. Até porque, caso isso não aconteça, você só vai se afundar cada vez mais. Esquece esta história!




Baseado em: Kiss your past goodbye, da banda Aerosmith. Composta por Steven Tyler e Mark Hudson. Faixa 10 do disco Nine Lives de 1997.



9.8.11

P&B

Meses sem escrever... Guardadas as devidas proporções, fiquei olhando para uma folha em branco sem saber o que fazer, assim como meu vizinho que agora olha para suas tintas, seus papéis e blocos intocados de argila. Logo ele que sempre é visto pintando, desenhando, modelando, criando. Mas, ao contrário de mim que andou correndo de um lado pro outro, curtiu a vida, descobriu muita coisa e simplesmente teve preguiça de sentar para escrever, o motivo da falta de inspiração dele parece mais ser pouca motivação e excesso de pensamento. Há tempos aquela moça de beleza incontestável, que costumava aparecer pela manhã na janela, não é mais vista por aqui.

Lembro bem que um dia acordei, olhei para fora do meu quarto e vi o casal numa felicidade contagiante. Como quis saber o que trazia tanto bom humor numa manhã de segunda-feira! Mas ok, não era assunto meu. Eles sim, felizes da vida se abraçavam, se beijavam, sorriam compulsivamente e olhavam para um papel de rascunho.

No dia seguinte o vizinho estava colando nas paredes do apartamento novos desenhos. Apesar da distância entre os prédios (delimitada por uma pequena casa) e com a ajuda da posição dos andares (o meu ficava um acima do dele), pude ver vários retratos que ele havia feito dela. Muito bons, como sempre. Mas dessa vez ela não posava para ele como se fosse uma modelo profissional, mas aparecia como se fosse “apenas” uma pessoa feliz que dividia o espaço com o artista.

Por mais que só pudesse vê-los por poucos minutos e apenas alguns dias, era comum presenciar cenas agradáveis através da janela deles. Eram um casal que transmitia boas energias, ainda que estivesse fazendo coisas banais e estáticas, como assistir TV. Eram o tipo de casal que você sente que vai durar para a vida toda e nunca vai envelhecer. Parecem tão bem assim! O tempo não deveria passar para esse tipo de pessoa. Qualquer um dos dois, quando via alguém das redondezas na rua, sempre desejava um bom dia. Entre as aposentadas que se encontravam na varanda da casa entre os dois prédios, o casal era o assunto preferido (na falta de alguma fofoca mais urgente, é claro). “Eles formam um casal tão bonito”, “Será que demora muito para o casamento?”, “Imaginem os filhos que vão ter! Vão ser as crianças mais bem educadas do bairro”, “Ele é tão apaixonado, não acham? Faz de um tudo para ela! Ela é o Sol que ilumina a vida dele”.

Ao que parece sim, ele era apenas um planeta girando em torno de sua estrela. Parece que a luz que ela irradiava alimentava as criações dele. Olhando pela janela e vendo os últimos desenhos que ele pendurou, fica a impressão de que a estrela se apagou. Como eu nunca havia visto antes, agora o preto domina suas obras. E ele continua sentado em um banquinho, enquanto tintas e papéis esperam para ser escolhidos.

A rotina do casal no sábado à tarde era bastante previsível. Ela fazia poses, ele dava palpites, ela se ajeitava melhor e ele fazia o esboço do desenho que continuaria no dia seguinte. Quando o dia pensava em acabar, eles saiam, iam até um parque próximo daqui e se divertiam com as crianças que brincavam. A última vez que o vi sentado no mesmo banco do parque ele estava sozinho e por mais que as crianças insistissem, ele não conseguia se entreter com aquilo.

Agora ele apóia os cotovelos nos joelhos e deixa a testa cair nas mãos. Atormentado faz que não com a cabeça até quase se desequilibrar do pequeno banco. O artista então olha para o balde cheio de água amarelada das tentativas frustradas de modelar alguma forma na argila. Ele olha para as pinturas pelas paredes. Observa que algumas antigas ainda estão lá. Foram selecionadas por ele mesmo para ocuparem espaços especiais daquele cômodo. Olhando com mais cuidado, agora elas estão sempre acompanhadas de alguma nova, feita apenas com a tinta preta. De repente ele se levanta derrubando o banco em que estava, pega o balde e espalha toda aquela água turva pelos desenhos da bela moça que decoram as paredes.

As cores quentes e vivas que coloriam os papéis ficam manchadas pelo preto que escorre dos trabalhos mais recentes. Ele saiu do cômodo, não consigo mais vê-lo.

O dia passa, a noite passa, um novo dia chega. Logo que saio de casa para trabalhar vejo as simpáticas senhorinhas conversando na varanda ao lado do prédio onde moro e escuto uma conversa estranha. “Vocês ficaram sabendo o que aconteceu com o casal? Por que a moça sumiu? Quando eu estava na garagem do prédio hoje mais cedo achei esse papel. Aqui fala que ela foi selecionada para fazer alguma coisa fora do país. Não consegui descobrir o quê, nem onde. Está tudo borrado com uma tinta preta”.

Baseado em: Black, da banda Pearl Jam. Composta por Eddie Vedder e Stone Gossard. Faixa 5 do disco Ten, de 1991.

25.4.11

Coisas da vida

A vida às vezes nos surpreende. Sabe quando absolutamente tudo que envolve a sua pessoa dá errado? Quando você programa por meses alguma coisa para fazer e quando finalmente chega o grande dia, não... não era aquilo o esperado? Você olha de novo seus planos, cada detalhe, cada passo que deve ser tomado e percebe que há algo de errado. Que as coisas não se encaixam. Que tudo o que as pessoas esperam de você não é o que você realmente espera de si e percebe que não é esse o caminho que escolheu. Mas todos continuam esperando seus resultados, suas projeções para o futuro que parece tão óbvio. Óbvio para eles, ninguém sabe o que realmente passa na sua cabeça. É quando essas coisas começam a acontecer que você sai de casa com destino a lugar algum, apenas para olhar o céu e a cidade.

Também tem aquela época em que a única coisa que te mantinha em pé não faz mais parte da sua vida. Que você sai mais cedo de casa para o trabalho tentando evitar o trânsito matinal, mas dá na mesma. Você então liga o rádio (claro que não pode escutar o que quer, a única coisa que funciona no aparelho é o FM) e escuta uma voz irritantemente feliz comentando que as principais ruas da cidade estão paradas, incluindo todas pelas quais você precisa passar. Talvez fosse bom ter um amigo por perto, no banco ao lado mais exatamente. Pelo menos ele faria companhia em troca de se livrar do ônibus cheio que também está parado na faixa à sua direita. Você abre a janela, coloca a cabeça para fora e olha o dia... Por que o céu tem que estar tão bonito e o clima tão agradável em plena segunda-feira?

Olha para os prédios ao redor. Uma placa de “Vende-se” te lembra que precisa arrumar um lugar novo para morar. O atual se tornou grande demais para uma pessoa só. Nessa cidade os apartamentos não te comportam mais, são sempre muito grandes e muito dispendiosos. Pode parecer que não, mas você não pretende deixar essa cidade, ela é parte da sua vida. Por mais que tenha passado por várias outras, você sempre procurou algo que te parecesse familiar. Você respira. Parece que o trânsito finalmente vai começar a andar.

Agora já é hora de fazer o caminho de volta, depois de encarar mais algum tempo de engarrafamento, finalmente vai estar em casa. Em meio aos carros você tem o impulso de largar o que conduz no meio do caminho e seguir a pé pelas ruas, apreciando as estrelas quase ofuscadas pelo brilho intenso da lua. A brisa da noite é um convite à parte que te faria ignorar o barulho dos carros. Você queria estar em um lugar específico, que te traz boas lembranças e poder acreditar que sua vida não está totalmente arruinada. Aprendizado do dia: Tudo é questão de tempo.

Como de costume você chega em casa na hora do jornal. Troca o canal passando por canyons entre nuvens, por cardumes de atum nadando no oceano, passarinhos carregando folhas no bico, imagens incríveis da China. O mundo parece muito mais tranquilo por meio da tela da televisão. De qualquer forma você chega à conclusão de que hoje foi um bom dia e promete não mais deixar dias como esses escaparem de suas mãos.

Baseado em: Beautiful Day, da banda U2. Composta por Bono Vox. Faixa 1 do disco All that you can’t leave behind, de 2000.

20.3.11

Recordações e explicações

Ele não faz muita ideia de onde está, mas tem certeza que não é nada perto de onde deveria estar. O punho de aço continua esmurrando sua cabeça, sinal que a vodka da noite anterior deixava suas últimas marcas. Agora ele está sentado no banco de um piano mal tratado, tocando algumas teclas que produzem uma melodia que beira a depressão. Ele tenta se lembrar do que tinha acontecido nas últimas 12 horas.

Quando se dá conta, uma boca francesa deixa uma marca vermelha em seu rosto e a voz feminina ecoa pelo cômodo: “Au revoir, beau”. Ele finalmente consegue levantar a cabeça para ver a loura saindo do salão daquele hotel digno de beira de estrada. A visão daqueles cabelos lhe causa arrepios de horror. As lembranças começam a voltar e junto com elas a sensação de ser alguém desprezível.

O ritmo de uma bandinha de rua começa a chegar perto. De alguma forma as batidas se regulam com o pulsar do seu coração e finalmente começa a pensar onde tinha se enfiado. Ele não sabe se é a coisa certa a se fazer, mas resolve se levantar e começar a caminhada que o levaria para casa. Era lá que ele a encontraria. Quem ele realmente ama e de quem precisa. Espera que no caminho consiga descobrir como tudo isso começou, onde terminou e como ou se contaria para ela. Valia a pena?

Logo que sai daquele lugar – e consegue sentir outro cheiro que não o de mofo e poeira – começam a aparecer algumas cenas soltas em sua mente. Estava com um amigo que precisava de alguém para conversar. Pediram whisky, só para acompanhar o papo. Eles beberam várias doses. Havia aquela francesa, sozinha no balcão. Por algum motivo que ainda não tinha recordado, foi ele que procurou a mulher. Talvez o amigo tivesse ido embora. Ele pediu mais uma dose de whisky para o sujeito com peruca torta atrás do balcão. Na lembrança seguinte ele já estava deitado na cama de colchão gasto com a francesa e a maldita garrafa de vodka barata.

Olhando para a estrada na qual segue ele avista um telefone público em um posto. “Talvez fosse bom ligar para ela... Talvez não”, e continua andando sob o sol quente pelo caminho que o levará até sua casa. “Espero que ela tenha pensado em mim quando adormeceu”. Pensando nisso se lembra do celular e procura por algum sinal da preocupação dela. O aparelho está sem bateria. A ideia de tempo o confunde. Não sabe que horas são ou quanto tempo se passou desde que chegara àquele hotel.

Ele fecha os olhos e suspira. Queria estar ao lado de quem ama. Passarinhos cantam perto dali. É o mesmo canto que ouvia enquanto tomava café da manhã com ela. Ainda não sabe o que fazer ou o que contar sobre a noite anterior. Ela sabe que é a mulher da vida dele, que isso já tinha sido provado inúmeras vezes, que é ela que ele morreria defendendo. Será que ela lembraria disso? Ele olha para o anel na mão esquerda e pensa em flores. Rosas mais especificamente. Depois das imagens que vieram à sua mente, tudo o que ele quer é deitá-la em uma cama feita das mais belas e perfumadas rosas, enquanto ele merecesse estar cravado em uma coberta de pregos. Tudo que queria agora é que os últimos acontecimentos fossem cenas de um filme. Que ele pudesse apenas levantar-se da poltrona, deixar o balde de pipoca na mesa de centro e encontrar sua mulher logo a frente. Porém, não é assim que as coisas funcionam. Se não podia comprar as flores mais especiais do mundo, ele compra as mais bonitas de uma floricultura que cruza seu caminho para casa, onde espera encontrar aquela que ama.

Baseado em: Bed of Roses, da banda Bon Jovi. Composta por Jon Bon Jovi. Faixa 5 do disco Keep te Faith, de 1992.

2.3.11

Saudades

Deitada na minha cama, olhando para o teto, escutando música e ligeiramente entediada. Isso me faz pensar em como você ocupa meu tempo. Em como você faz isso bem. Me faz lembrar como apenas estar ao seu lado, vendo imagens frenéticas na televisão ou os nossos pés mexendo juntos, me deixa feliz como nunca imaginei que pudesse ficar. Quem diria que um dia eu ficaria assim! Quem diria que um dia alguém me deixaria assim!

Quando a gente acaba dormindo por uma razão ou por outra e eu te vejo acordando ao meu lado, isso também me deixa incrivelmente feliz. Olhar para você e ver que o seu sorriso corresponde ao meu me deixa triplamente feliz. Uma felicidade que há até pouco tempo eu considerava utópica. Admito que me tornei muito daquilo que nunca compreendi ou sequer acreditei. Como diria o poeta: Keep the faith!

Certa vez me iludi ao ponto de achar que amava alguém. Não. Não era bem isso. Agora eu posso verdadeiramente e conscientemente falar “Eu te amo”, sabendo o que isso significa. Sei também qual é a diferença entre amar meus amigos e amar você. Paradoxalmente se alguém um dia me pedir para explicar o que é isso, sinto muito, não sou capaz de descrever em palavras o que acontece comigo. O que você despertou em mim. O que você me mostrou ser real.

Agora que você está longe eu fico sem saber o que fazer certas horas do dia. Me perco sem ter você ao meu lado. Sei que você não vai ficar longe por nem 10 dias, mas... caramba! Como eu sinto a sua falta! Será que dizer isso seria exagero da minha parte? Antiquado? Ou apenas sincero?

Procurei alguma coisa que pudesse funcionar como intermediária entre o aperto que não larga meu coração e você. Acabei encontrando algo muito além do que procurava. Algo que juntou tudo o que venho descobrindo nos últimos meses e me mostrou que a felicidade que eu acreditava ser impossível existe. E que agora eu também sei o que é. Assim que você chegar eu mostro o meu novo achado.

Ainda faltam alguns dias. Não consigo deixar de te procurar em fotos, de tentar achar seu cheiro nos meus braços, o seu abraço em um simples travesseiro. Meu cérebro sabe que daqui a pouco você está de volta, mas ele esqueceu de dividir essa informação com outras partes de mim. Sei que tudo isso pode parecer demais, que minha saudade por um lado até pode ser positiva. Na verdade, o que eu preciso mesmo, é te dizer como me importo com você, como você é importante para mim e como eu sinto a sua falta.

Baseado em: I miss you, da banda Incubus. Composta por Brandon Boyd, Michael Einziger, Alex Katunish, Christopher Kilmore e Jose Pasillas. Faixa 11 do disco Make Yourself, de 1999.




Notas da autora:

1) Esse texto foi escrito no dia 20 de fevereiro;

2) Desculpem pelo abandono, espero conseguir voltar ao ritmo agora que as férias estão quase no fim e minha preguiça eterna deve ir com elas.

16.1.11

Quem espera...

Com o passar dos anos, das décadas e das gerações, alguns hábitos dão lugar a outros que vão ter mais importância ou não para as pessoas que vivem sob aquela realidade. Se o fato de a minha avó trabalhar fora na primeira metade do século XX, e ter um cargo relevante numa empresa importante, poderia assustar os mais conservadores da época, eu me assusto com mulheres que, 100 anos depois, preferem ficar esquentando a barriga no fogão a trabalhar fora e ter o mínimo de independência do marido. Pulando algumas etapas e chegando no meu objetivo inicial, sexo é uma coisa da vida que também já conseguiu superar alguns tabus. Mas ainda tem muita gente que enxerga isso como algo extraordinário, sagrado e que só pode ser feito na ocasião “correta”. Minha humilde opinião seguida de uma historinha:

Um cara conhece uma menina. Ele tem uns 20 e poucos e ela está chegando nos 20. Ela é virgem, ele não. Até aí nenhum problema. Ela acredita em príncipes encantados. É aí que começa a história.

Apesar de viverem vidas bem diferentes uma da outra, o casal estava se dando muito bem. Ela tinha acabado de entrar na faculdade e ele estava formando. Isso não importava, ele estava completamente vidrado em todos os gestos e reações da menina. O jeito que ela arrumava o cabelo quando caía no rosto, o jeito que ela sentava na mesa do bar, como ela procurava alguma coisa dentro da bolsa ou tirava uma blusa de frio. Algumas vezes ele arriscava. Depois de saírem do bar ou outro lugar à noite, ele perguntava se ela queria ir pra casa dele. Mas ela sempre respondia que preferia ir pra casa.

Ele esperou. Coisa de mulher, ainda não tá se sentindo segura. Esperou mais um pouco e perguntou de novo. A mesma resposta. Ele esperava também alguma surpresa! Quem sabe um dia ela não ligava perguntando se poderia ir pra casa dele, que estava precisando sair um pouco da casa dela? Ele esperava noite e dia por algum sinal. Mas chegou uma hora que esperar já não resolvia nada. Quanto mais ele esperava mais o tempo parecia se arrastar. Enquanto isso ele se lembrava de outros relacionamentos e via seus amigos correndo na sua frente. Sem dúvidas eles estavam muito mais felizes. Não suportava mais a ideia de hesitar, de estar preso àquela situação.

Ele já não sabia mais o que fazer. Continuar esperando, ou arrumar outra “diversão” enquanto a dele não se resolvia? Afinal eles não tinham nada muito sério ou certo. Um dia resolveu aparecer na porta do prédio em que ela morava de surpresa. Pelo horário ela estaria em casa. Parou o carro e olhou para a janela que um dia ela apontou como sendo o quarto dela. As luzes estavam acesas e parecia haver alguma movimentação. Pegou o celular e ligou pro número dela. Como ela morava no térreo, ele conseguiu ouvir a introdução de Viva la Vida, o toque do celular. A moça da caixa posta começou a conversar com ele e ele desligou. Dez minutos depois ele voltou a ligar. “I use to rule the...”. Ela desligou o aparelho. Ele olhou novamente a janela. As luzes continuavam acesas.

Na mesma noite, quando ele estava bebendo com os amigos em um buteco, ela retornou as ligações. “Eu te liguei às nove horas. Agora são quinze pras duas. Queria saber se você queria sair.” Ela deu uma desculpa qualquer e desligou o celular. Qualquer interesse que um dia ele teve por ela tinha terminado de acabar. Ele simplesmente não podia continuar esperando ou suportar tanta hesitação da parte dela. Não era pra ser, então não foi. Esse era o pensamento que ficava na cabeça dele agora. Apesar de tudo, ele esperava que ela encontrasse o príncipe encantado com quem tanto sonhava. Ele já tinha encontrado um caminho para seguir. Pensava se um dia ela acordaria para a realidade. E se esse dia não tardaria muito a chegar.

Baseado em: Hung Up, de Madonna. Composta por Madonna, Stuart Price, Benny Andersson, e Björn Ulvaeus. Faixa 1 do disco Confessions on a Dance Floor, de 2005.

1.1.11

Entre mãe e filho

Domingo de manhã.

_ Mãe, você não precisa ficar me falando essa ladainha toda de novo. Eu já sei disso tudo. Eu não vou me esquecer das minhas obrigações, eu não vou fugir delas. Só não vou mais morar com você.

_ Me desculpa se não fui a mãe que você sonhou. Se não sou tão incrível como as mães dos seus amigos. – O silêncio tomou conta do lugar durante alguns segundos e ela retomou a conversa – Se você tiver se esquecido de levar alguma coisa pode me ligar que eu levo pra você. Ou você pode vir buscar quando quiser. – Mais silêncio – Se um dia você precisar, ou quiser dormir aqui também pode vir.

_ Eu também não sou o filho perfeito, mas você é minha mãe. Não quero que você passe a noite em claro por minha causa. Espero que isso não aconteça. – Ele pensou duas vezes e preferiu dizer o que estava na sua cabeça – Sempre fui diferente dos meus irmãos. Nunca fui tão certinho quanto eles.

_ Você não quer vir lanchar comigo no sábado à tardinha? Eu arrumo uma mesa com bolo de cenoura com cobertura de chocolate, guaraná e aquela torta que você gosta. Coloco muito tomate! Seus primos estão aqui, posso falar com eles também!

Mais tarde ele se encontrou com uma amiga em um bar:

_ Sei que vou sentir falta da minha mãe. Pensar nela quando eu acordar e não der “Bom Dia” para ela. Mas eu não podia continuar convivendo todos os dias. E também já estava na hora de eu sair de casa!

A garota pegou um guardanapo da mesa onde estavam, tirou uma caneta da bolsa e rabiscou algumas palavras. Em seguida deu o papel para o amigo. Ele leu e releu. Eram poucas palavras, como se fossem parte de um poema, que resumiam a então relação dele com a mãe. Muito mais simples e sincero que qualquer coisa que filósofos ou poetas pudessem escrever. Ela conhecia a família há mais de uma década. Sabia bem o que se passava ali.

O sábado chegou. E ele estava indo pra casa da mãe quando pensou em levar alguma coisa pra ela. Passou na floricultura e comprou algumas mudas de flores que chamaram a atenção dele. Muito coloridas e com uma combinação diferente entre elas. Ficariam bem na jardineira da sala da frente. A vendedora contou que elas se chamavam Amor Perfeito. Seria um bom presente. Sua mãe gostava de mexer com a terra. Ele sentia um pouco de culpa pelas palavras que disse a ela há quase uma semana.

Quando chegou na rua que morava até a semana anterior ele viu a luz da sala de visitas acesa. Estacionou o carro, pegou a caixa com as flores para serem plantadas e procurou no bolso as chaves de casa. Ou daquela casa. Pensou e preferiu tocar a campainha.

_Você não precisa tocar a campainha meu filho. Essa casa é sua. Você pode voltar quando você quiser.

Ele estendeu a caixa com as flores e disse:

_ A moça da floricultura disse que se chamam...

_ Amor Perfeito – completou a mãe.

_Achei que ficariam bonitas naquela jardineira, na frente da casa.

_ Vão ficar lindas.


Baseado em: Amores Imperfeitos, da banda Skank. Composta por Samuel Rosa/ Chico Amaral. Faixa 4 do disco Cosmotron, de 2003.


Nota da autora: Desculpem o sumiço. Me dei o mês de dezembro de férias do blog!