29.11.09

Tarde de quinta-feira. Prova amanhã, tenho que estudar. Quando finalmente consigo me concentrar o telefone toca. Será que é ela?! Corro para atender, não posso deixá-la esperando. A prova já não era tão importante. Sei que não deveria, mas não posso evitar esses pensamentos. Oi! atendo como se tivesse certeza de quem ligava.

Sim! É a voz dela. Está em prantos. “Ele terminou tudo!”. Tento pedir para que não chore, mas simplesmente não consigo emitir som algum. Sempre soube que ele não era o melhor para ela. “Preciso muito de um amigo. Preciso muito de você...”, o pouco de esperança que me restava encheu meu coração. Claro! Onde você quiser. “No parque, em meia hora?”, ela pergunta já sabendo a resposta. Sempre estarei lá quando me chamar. Em dez minutos estarei lá, respondo sem pensar. O telefone volta ao gancho. Não deveria estar tão feliz, afinal ela está muito desolada.

“Preciso muito de você...”, essas palavras não saem da minha cabeça enquanto me arrumo. Minha mãe me lança um olhar de reprovação. Nunca apoiou meu amor platônico – segundo ela – por uma amiga.

Saio de casa radiante de tanta felicidade. Antes de ir para o local combinado passo em uma das melhores lojas de chocolates da cidade e compro uma caixa do tipo preferido dela. É o que mais a acalma, é o que cura sua tristeza. Por um momento paro e percebo o absurdo da minha alegria. Minha amiga, a mulher que eu amo, está em extrema infelicidade. Tento, mas não consigo evitar.

Chego ao parque. Adoro esse ambiente. Traz boas lembranças. Prefiro esperá-la próximo ao portão de entrada. Olho para os lados ansioso. Será que ela desistiu? Não, finalmente ela surge na esquina. O mundo parece correr mais lentamente, como em uma cena de filme. Quando ela chega até mim se deixa cair em meus braços, um abraço forte. Chora compulsivamente, minha camiseta chega a ficar úmida. Não me importo, é tão bom ter seu corpo junto ao meu, saber que ela precisa de mim.

Caminhamos em direção ao lago. Sentamos debaixo de uma bela e aconchegante árvore. A mesma que, quando crianças, costumávamos subir até que nossas mães nos mandassem descer. Uma época que a menina ainda era apenas uma amiga. Ofereço a caixa de chocolates. Ela me olha agradecida, carinhosamente, diz obrigada e coloca um na boca. Depois de alguns já está mais calma.

Apesar de não ser o que eu gostaria de escutar, dou atenção às histórias do namoro de dois anos recém acabado, mais uma vez. Primeiramente os momentos bons, mas logo ela narra os ruins. Ele era incapaz de respeitá-la ou entendê-la. É difícil de acreditar que alguém tenha coragem de tratá-la mal, deixá-la triste. Ela não significava tanto. “Mas ainda assim, eu gosto tanto dele...”. Palavras que fuzilaram minha esperança.

Você merece alguém melhor, que te ame de verdade, sugeri timidamente. Alguém, que te faça feliz de verdade, não sofrer, chorar... O choro dela volta. Tenta contê-lo, mas não tem sucesso. O máximo que consegue é balbuciar: “Não acredito mais em homens, a não ser em você. E é muito bom ter um amigo [ela repousa a mão no meu joelho como de costume] ao meu lado sempre que preciso.”.

Baseado em: Esqueça, originalmente Forget him, de Mark Anthony, com versão em brasileira escrita por Roberto Côrte Real. Primeiramente gravada por Roberto Carlos, faixa 4 do álbum Eu te darei o céu, de 1966. Posteriormente gravada por Marisa Monte.

Escrito em: 23 de novembro de 2009


14.11.09

Tudo ficou mais aparente, e insustentável, depois que a única filha saiu de casa para cursar direito em uma universidade federal do interior. O típico casal de classe média já estava se aproximando das bodas de prata, apesar de ainda estarem nos quarenta e poucos. Até então ele tinha dado a ela uma vida simples, mas completa. Uma filha linda que a enchia de orgulho. Suas amigas ainda esperavam um futuro como o dela.

Com o passar dos meses, ela foi percebendo que já não era tão feliz. As crianças do hospital, no qual trabalhava como enfermeira, já não traziam a mesma alegria de antes. Gostava de quando dedicava mais horas a elas, entretanto, o marido pediu que encerrasse sua carreira. Não aceitou, mas diminuiu o tempo gasto no cuidado dos pequenos. Agora ela sonha com uma vida diferente. Só ela e a filha. Inconscientemente não imagina o marido nessa nova fase.

Percebe que já não o ama como há vinte e poucos anos. Quem sabe não é hora de viver novas aventuras, novos amores... Mas lhe falta algo. Queria ter a coragem de antes, a que teve quando enfrentou a família por casar-se “cedo demais”, por constituir uma família “antes do tempo”. Queria recuperar o que um dia chamaram de “falta de juízo”. Ele costumava apoiá-la em seus sonhos. Sem a filha em casa fica mais fácil perceber como as coisas não são mais as mesmas.

Quer mudar. Sabe que quer. Junta um resto de coragem e alguns objetos carregados do que ela chama de valor sentimental. Aproveita o sono dele depois do almoço de domingo. Sai.

Passeia pela cidade. Ruas, bares e parques estão repletos de famílias de todas as formas, amigos a tagarelar, casais de todas as idades. Sente falta dos amigos que há muito não vê, da infância feliz da filha, de quando era uma jovem namorada apaixonada caminhando abraçada ao único homem que teve. Apesar das nuvens mancharem o azul do céu, está um dia bonito. Ela senta em um banco do parque e aprecia a paisagem e os que por lá passam.

Olha o relógio do prédio, 15h30, hora de voltar para casa. Já não é mais tão corajosa. A realidade fala mais alto. O discurso elaborado durante o caminho de ida se desfaz no de volta.

16h. Ela abre a porta. Crisântemos foram cuidadosamente deixados em um belo vaso, presente do casamento. O apartamento parece ter uma atmosfera mais leve que a habitual. Ele a abraça e lhe dá um beijo carinhoso. Ela corresponde com um “Eu te amo” que já soou mais vivamente. Não pode encontrar homem melhor.

Baseado em: Better Man da banda Pearl Jam, com letra de Eddie Vedder. Faixa 11 do disco Vitalogy de 1994.

Escrito em: 20 de outubro de 2009



1.11.09

2005. Havia recebido meu primeiro “salário” e queria comprar algo que, sempre que visse, lembrasse dele. O primeiro salário que minha mãe recebeu também teve um significado. Foi só com ele que ela finalmente pode começar a usar brincos. Até os vinte e poucos anos a orelha dela não era furada. Enfim, isso eu não podia fazer, a minha foi maldosamente furada quando eu ainda era um bebê recém-nascido, como o de costume.
Pensei durante um bom tempo o que faria, até porque não era tanto dinheiro assim – R$50,00 por algumas fotos para serem divulgadas como propaganda de escolas católicas. Há muito tempo estava querendo um cd (original, é claro) do Bon Jovi. Já tinha cansado de sempre pegar emprestados os de uma prima mais velha que, a propósito, até tinha ido ao show da banda em 1995. Agora queria o meu.
Depois de muito pensar, de novo, decidi pelo New Jersey, de 1988. Tinha uma das músicas que eu mais gostava “Born to be my baby”, além de que também adorava o álbum como um todo, sem comentar a faixa final, “Love for sale”, divertidíssima. Finalmente, um dia, voltando do colégio, passei no shopping e comprei. Agora meu “salário” tinha um formato concreto. E eu, o MEU cd do Bon Jovi.
Fui para a casa do meu namorado saltitando e cantarolando as músicas. O céu estava especialmente bonito naquela tarde. Ao chegar ao meu destino, sorrindo e com o cd nas mãos, ele não percebeu a minha felicidade extrema e voltou para o jogo novo do brinquedinho preferido dele. Quis acreditar que aquilo tinha sido apenas uma distração momentânea. Sentei no chão próximo ao seu lado e ele, automaticamente, estendeu a mão me oferecendo o outro controle, mas recusei. Agora tinha conseguido atenção.
“Olha o que eu comprei!”. “Bon Jovi?!”. Minha alegria foi ao chão. “Sim, Bon Jovi. Qual o problema?”. Ele não se deu o trabalho de responder. “Você já ouviu esse disco?”, insisti, mesmo sabendo que sua resposta seria negativa. A banda estava novamente no mainstream com Have a Nice Day, álbum, música e clipe (bem interessante por sinal). Apesar de já estar falando sozinha (o jogo já o tinha novamente), continuei argumentando que a banda, naquela época, era muito diferente, que ele deveria escutar, principalmente antes de criar uma opinião.
Estava tão indignada com a atitude preconceituosa dele que nem ao menos me despedi. Dei-lhe um beijo na bochecha e fui embora. Retomei meu caminho. O dia continuava o mesmo, o céu ainda estava um azul impressionante. Minha decepção foi tão grande que a atmosfera ao meu redor ficou mais pesada.
Cheguei em casa, abri o cd – já sem a emoção com a qual o faria normalmente -, coloquei no aparelho de som e apertei play. Deitei na cama ao som de “Lay your hands on me”. Os anos 80 estavam de volta e com eles o meu humor há pouco perdido.

Baseado em: Nunca diga da banda Pato Fu, com letra de Frank Jorge (da banda Graforréia Xilarmônica). Faixa 3 do disco Televisão de Cachorro de 1998.

Escrito em: 28 de setembro de 2009