25.1.10

Sinto muito, mas tenho que partir. Meu tempo aqui já acabou. Por favor, não chore. Quando sentir minha falta lembre-se da época que passávamos as tardes nos parques e praças da cidade em que nascemos. Fomos nós que escolhemos essa vida nômade. Ver pessoas fingindo ser algo que não eram. Ou acreditando ser o que não eram. Tinham plena certeza que passavam despercebidos na multidão. Esse era um dos nossos hobbies preferidos. Observar pessoas nas ruas e perceber a hipocrisia instalada na sociedade. É tão mais fácil aceitar quem você é. Sem máscaras ou falsidades. Sem ter que agradar outras pessoas por interesse.

Lembre-se de quando encontrávamos nossos bons amigos. Gente de verdade. Gente para gastar todo um dia em conversas e risadas. Com eles tínhamos discussões calorosas. Sempre querendo mudar o mundo, abrir os olhos das pessoas para o que estava acontecendo. Eles não percebem que a vida não se resume a sobreviver. A levar dinheiro para casa, pagar as contas e, aos domingos, passear no parque e tomar sorvete. Sinto falta dessa gente de verdade. Enfim, todos nós temos um caminho a seguir. Alguns desses amigos ficaram pra trás, mas pode ser que os reencontremos. Então, por favor, não chore.

Lembre-se da nossa infância, nosso passado, nossa família. Simples e feliz. Saudades de Trenchtown. Gostava daquele lugar. O céu de lá era mais estrelado que o normal. Produziu bons músicos. Quando a saudade apertar, olhe para o céu, vai se lembrar de lá. Nunca se esqueça do que escolhemos para nossas vidas. Nossas escolhas mostram que somos em vários aspectos. Tenho muito orgulho das nossas. Enxugue essas lágrimas, querida.

Olhe para o seu redor e veja o que conseguimos, o que o futuro nos reservou. Georgie continua acendendo fogueiras que queimam durante toda a noite. O velho caldeirão aquece o jantar. Prato do dia: Mingau de farinha de milho. Acertei? Assim que estiver pronto todo o grupo se reunirá para dividir a comida como em uma família. Apesar da simplicidade, há um sorriso em casa rosto. Aprendemos muitas coisas desde que saímos de casa, não foi? Ainda não sei dizer se era nosso objetivo, mas fomos forçados a crescer, a nos virar. Engula esse choro. Está tudo bem.

Hoje eu percebi que já estava na hora dos nossos caminhos se separarem. Não consigo me fixar em um lugar por muito tempo, e você precisa ficar. Tem uma família agora. Meus pés estão inquietos. Precisam andar por aí, meio sem destino. Preferi deixar apenas uma carta, da mesma forma que fizemos anos atrás. Sabe que não gosto de despedidas. Não queria ver lágrimas no seu rosto.

Talvez um dia eu volte. Vou sentir falta de você. Talvez um dia a gente se reencontre. Quero ver os pequenos crescidos. Espero que eles se lembrem um pouco de mim, pelo menos uma vaga lembrança. Enquanto esse dia não chegar, não se preocupe. Tudo vai dar certo. Então minha irmã, por favor, não chore.

Baseado em: No Woman, No Cry, de Bob Marley & The Wailers, letra de Bob Marley (e atribuída a Vincent Ford). Faixa 2 do disco Natty Dread, de 1974.

Pedido de Bruna Dutra.

Escrito em: 23 de janeiro de 2010.


10.1.10

É tão estranho te ver assim, imóvel, gélida, pálida. Sem um sorriso no rosto. Alguém que contagiava qualquer lugar com sua alegria de viver, mesmo quando já estava mais debilitada. Acho que essa é a primeira vez que a vejo em um ambiente de tristeza e dor, com uma atmosfera tão pesada. Pessoas queridas choram compulsivamente. Apesar de tudo, você ainda me parece doce e gentil. Como sempre.

Sentado aqui ao seu lado, lembro da nossa felicidade há pouco mais de dois anos. O dia do nosso casamento. O céu estava pintado com um azul incrível. O entardecer de hoje com um belíssimo vermelho. Quem poderia imaginar o que estava por vir.

Lembro perfeitamente de quando nos conhecemos. Um grupo de amigos em comum nos apresentou. Não te deu tanta atenção naquele dia. Nos encontramos algumas outras vezes e depois de algum tempo começamos a namorar.

Adorava sua ingenuidade, sua timidez, não saber o que fazer em alguns momentos. Seus segredos e ambições. Sua personalidade forte me encanta. Tivemos nossas discordâncias, algumas recorrentes, o que só nos fortalecia e nos encaminhava para o casamento.

Com a mesma perfeição minha memória guarda os primeiros sinais da doença. Cansaço, fraqueza, queda de cabelo, emagrecimento. Você insistia que não era nada, que era estresse, que ia passar. Conversei com alguns médicos e te convenci a se consultar com alguns deles, que deram o mesmo diagnóstico. Lúpus, em estágio avançado. Você estava caminhando rapidamente para a morte.

Nunca saí do seu lado. Todos os dias eu te visitava pelo menos duas vezes no hospital, quando você estava lá. Enquanto trabalhava e você estava em casa, ligava durante todo o dia. E sempre havia alguém te acompanhando. Eu, os seus e os meus pais, irmãos e familiares. A visita de amigos era constante. Flores vistosas e cheias de vida enfeitavam não só o quarto, mas a casa toda. Elas te deixam mais feliz. Hoje você também recebeu várias.

Todo o tempo os médicos avisavam “A luta não é fácil”, mas não imaginava que seria tão difícil. Vê-la se apagar um pouco mais todos os dias era desesperador. Há pouco estávamos aprendendo a viver sozinhos, fazendo planos de uma família. “Você tem que ser forte! Ela precisa de você mais que nunca.” Era o discurso que escutava o tempo todo. Sempre que podia pesquisava sobre sua doença. Procurava tratamentos alternativos e no exterior. Aquilo não podia estar acontecendo. Eu não podia te perder. Médicos tentavam me tranqüilizar o máximo possível. Não era suficiente. Não é justo. Eu não podia te perder.

Preciso te pedir desculpa. Não fiz o suficiente. Só te peço uma única coisa. Volte pra mim. Diga-me uma última vez que me ama. Eu te amo tanto.

Novamente as pessoas me dizem que devo ser forte. Porém agora acrescentam que sou jovem. Que tenho muita vida pela frente. Discordo delas. Não há vida sem você. Estou indo te encontrar, para voltarmos ao início.

Baseado em: The Scientist, da banda Coldplay, letra de Berryman/ Buckland/ Champion/ Martin. Faixa 4 do disco A rush of blood to the head, de 2002.
Pedido de Fer Mügge.

Escrito em: 09 de janeiro de 2010.

Meu erro: De novo. Desculpem o atraso. Viajei mas achei que daria pra postar de lá, mas Itaúnas não tem internet! hahaha