10.10.10

Como nos velhos tempos

Um dia desses, eu estava conversando com a minha avó e ela resolveu me contar uma história dela e do meu avô, quando ainda eram namorados, ou sei lá como isso se chamava naquela época. A história aconteceu em uma tarde de outono, num parque da cidade e foi mais ou menos assim:

Ao contrário do que normalmente acontecia, meu avô chegou de surpresa na casa dos meus bisavós para levar minha avó para passear. Como ele já tinha conquistado a confiança dos sogros, eles saíram tranquilamente. Minha avó reparou numa coisa estranha. Ele levava uma cesta na mão... um piquenique provavelmente, mas porque ele não pediu para ela arrumar a cesta? Largou a curiosidade pra lá e acompanhou seu amado.

Eles estavam namorando havia uns 4 anos e estavam muito felizes. As irmãs da minha avó morriam de inveja em ver um casal tão bonito e que tinha tudo para dar certo. Elas não tinham a mesma sorte. Enfim eles chegaram ao parque mais bonito da cidade. Juntos montaram o que seria o lanche da tarde com todas as delícias que meu avô tinha trazido dentro da cesta. “Com certeza isso foi ideia da minha sogra” pensou a minha avó, na época uma senhorita dona de uma cintura de deixar no chinelo qualquer modelo magrela. O casal se sentou e começou a conversar e coisas afins que namorados faziam naquela época (ela não entrou em detalhes sobre essa parte).

Um momento de silêncio e meu avô começou a imaginar algumas coisas: “Helena, já imaginou nossas vidas daqui alguns anos? Eu começando a perder meus cabelos e usando uma boina para disfarçar. Você com um coque prendendo os cabelos. Preferia que você continuasse com eles soltos, mas pelo que vejo por aí, depois de um tempo as mulheres costumam mantê-los presos. Nossos filhos já vão estar casados. Vou continuar te dando presente de dia dos namorados, sabia?”

Essas palavras foram totalmente inesperadas. Ele não costumava falar sobre o futuro com ela. Minha avó disse que ficou muito feliz. Encostou-se no ombro dele e continuou escutando. “Você vai me dar feliz aniversário e uma garrafa de vinho. Depois de certa idade as pessoas elegantes ganham vinho de aniversário. Nós vamos ser um casal elegante! Mas se um dia eu chegar tarde em casa, depois de um dia de trabalho... você ainda vai me receber na porta, não vai?”. Ela respondeu com um longo suspiro e um “uhum”.

“Quando estivermos lá pelos nossos... 64, 65 anos, você ainda vai me querer ao seu lado? Ainda vai fazer o almoço de domingo?” Confesso que a minha reação nessa parte não foi muito agradável, mas era a época, fazer o quê. Já ela respondia a tudo afirmativamente e muito feliz, as lágrimas estavam se preparando para entrar em cena (na história e na narração). “Ainda vou ser muito útil pra você. Posso trocar a lâmpada da sala e consertar um fusível queimado. E quando você se cansar posso te encher de amor e carinho. Acho que você vai me dar um suéter que você mesma fez no inverno. No domingo de manhã, enquanto esperamos nossos filhos chegarem para o almoço, vamos passear pelo jardim, brincar com os cachorros. Vamos ter dois. E um gato também. Sentados no meio das plantas vamos cuidar delas. Tirar todas as ervas daninhas e plantar novas espécies. Aposto que você vai querer as mais variadas orquídeas nos fundos e as rosas mais coloridas na parte da frente da casa.” Ela não poderia ter imaginado futuro melhor! A essa altura os olhos da minha avó já estavam marejados à minha frente.

“Sabe o que vamos fazer nas férias de verão? Pegar nossos netos e levá-los para uma casa de praia num lugar mais distante, no sul do país. Vamos ter três netos: a Vera, o Davi e o Carlos. Ainda não sei quem é o mais velho, mas o Carlos é o mais novo, com certeza. A casa de praia não deve ser muito cara... mas se for você usa sua incrível habilidade para pechinchar.”

“Eu sei que você vai viajar de vez em quando. Ver sua família e tudo mais. Me promete que vai me mandar um cartão postal ou um telegrama? Quero saber como você está, se suas irmãs continuam rabugentas. Pode ser sincera comigo, não vou contar pra elas o seu ponto de vista.”

Depois de toda uma tarde fazendo esses planos para mais de 50 anos depois, meu avô finalmente chegou no ponto que queria: “Mas Helena, antes de tudo isso acontecer, você precisa me dizer apenas uma palavra”. A essa altura o rosto da minha avó já estava sendo lavado pelas lágrimas. “Você quer se casar comigo?”

Baseado em: When I’m sixty-four, da banda The Beatles. Composta por Paul McCartney e John Lennon. Faixa 9 (ou 2 do lado B) do disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de 1967.

Escrito em: 10 de outubro de 2010.

Um comentário:

  1. ei Sarinha!
    eu adoro essa musica! escutei ela um dia numa aula de ingles ha alguns anos.
    adorei o conto!
    Bjus Belinha

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