28.3.10

Outro lugar para cair

Para com isso! Por favor! Sou sua amiga, não uma muleta para te sustentar. Muito menos sua psiquiatra – sim, psiquiatra – para achar a cura para essa sua doença. Entenda que, a partir do momento em que você se compromete com alguém, que dá início a um relacionamento, tem que lembrar que ele está sujeito a acabar um dia boa parte das vezes. Uma situação perfeitamente normal. Ela não te quer mais. Aceite!

Milhares de pessoas já passaram por isso, uma parcela mínima não superou. Estou certa que você é forte o suficiente para isso. Ela não é a única. Já passou da hora de partir para outra. Aposto que ela já o fez. Pare de reclamar! Sua vida não é tão difícil assim. Você não pode querer tudo ao mesmo tempo.

E quer saber a verdade? Concordo com seus pais. Não consigo acreditar que até hoje você vive de mesada, que é tão dependente para tudo. Devia retomar a faculdade, arrumar um emprego, sei lá! O que preferir! Por favor, deixe de ser tão acomodado. Falo isso como amiga que sou. Você precisa evoluir, dar algum sentido para sua vida. Não você não precisa “se recuperar dessa tragédia”, até porque, não existe tragédia alguma. Apenas a realidade.

Cansei de te ouvir reclamar de tudo. Se qualquer coisa muda no seu cotidiano parece que você está em meio a uma tempestade em alto mar. Transformou-se em uma pessoa rancorosa, vive remoendo mágoas e ódio. Achou que seu orgulho ajudaria a se esconder do mundo para cultivar seu drama e dor. Prefere sofrer sozinho a buscar uma saída. Não dá o braço a torcer e admite que está escolhendo o caminho errado. Acreditou estar muito bem acompanhado nessa opção quando, na realidade, está só.

Não grite comigo! Sabe que estou certa e, além do mais, sou sua amiga! Deveria me tratar de forma mais gentil. Sorrir faz bem e não é nenhum sacrifício. Deixe de ser mal amado e seja feliz de outra forma. Namoradas não são a única escolha. Seguir com a própria vida ajuda. Escorar-se nos seus amigos é uma péssima ideia. Não é para isso que servimos. Busque sua independência. Precisa parar com tanto drama. Entender que nem sempre as coisas saem como o planejado. Mudanças e situações inesperadas nos ensinam muito. Precisa aprender a enfrentar seus problemas como todos fazem. Não é o único que passa por dificuldades e as suas não são o fim do mundo.

Enfim, só estou repetindo o que já te disse antes. Não entendo sua dificuldade em mudar. Pare de me atormentar, ou melhor, de transferir seus problemas para mim. Já te dei meu conselho, siga se quiser. Só peço para que pense nisso. Tente começar deixando de interpretar esse papel ridículo de homem forte que se acaba em lágrimas por uma mulher – um tanto quanto contraditório, não? Atente-se a isso. Em pouco tempo também jogarei você para fora da minha vida.

Pronto, agora pode falar.

 

Baseado em: Another Place to Fall, de KT Tunstall. Faixa 2 do disco Eye to the Telescope, de 2004.

 

Escrito em: 23 de março de 2010. 

 

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/)

 

8.3.10

E viva a TFM!

A garota não agüentava mais. Fugiu do pequeno apartamento na periferia da cidade para um outro que alguns amigos dividiam num bairro próximo do centro. Deixou para trás a mãe, o irmão mais novo e o pai. Se é que o homem não os tinha deixado para trás antes. O carinho da mãe e do irmão já não fazia daquele um ambiente familiar. Correndo pelas ruas, logo chegou ao prédio já conhecido. Os amigos a receberam preocupados. “Você precisa dormir. Amanhã conversamos no caminho para a escola.”

Pesadelos tomaram conta da noite. Cenas confusas, violência, o rosto de alguém conhecido. Pelo caminho movimentado para onde estudavam, ela desabafou. Não conseguia mais viver naquela casa. A mãe, imatura e muito desorganizada, não conseguia dar continuidade à própria vida. O pai, quando aparecia, estava sempre alterado, cada vez por alguma coisa diferente. Era sempre muito violento. E no meio disso o irmão mais novo, tentando crescer com a ajuda da menina.

Ao voltarem da escola, assistiram um filme por acaso. Nele, a polícia investigava o suicídio de uma adolescente de classe média alta. Não chegaram a ver o final. Estavam incrédulos. Não entendiam como alguém que tinha tudo o que queria podia encontrar razões para se matar. Os pesadelos continuaram por toda a semana.

Algum tempo depois, a garota se descobriu grávida. Era só o que faltava. Assim como acontecia agora, sua mãe teve os filhos muito nova. Isso trouxe lembranças da sua família e percebeu que, apesar de tudo, não guardava rancor deles. De nenhum deles. Até onde sabia, todas elas tinha seus problemas, a sua não era diferente. Passou a se apegar a cada lembrança boa que tinha deles. Era a única família que tinha.

Às vezes, durante as aulas ou antes de dormir, passava longas horas refletindo sobre questões sem respostas – ou quase. Gostava de criar teorias sobre a sociedade e a natureza. Ainda guardava aquela vontade de mudar o mundo. A mãe lhe voltava à cabeça. Estava preocupada com ela e com o irmão. Sentia necessidade de ajudá-los a seguir em frente.

Ela nunca se importou com a vida simples e difícil que levava. Nem com onde morava, contanto que estivesse com as pessoas certas. Não que não desejasse (e muito) que as coisas melhorassem. A saudade da família apertava cada vez mais. Passou a visitá-los com certa freqüência. A mãe sempre lhe pedia para que voltasse para casa, para poder cuidar melhor do bebê que estava chegando. A menina se recusava. No fim do ano se formava e já estava juntando dinheiro com pequenos trabalhos. Assim que pudesse iria deixar o filho em uma creche e arrumaria um trabalho fixo. Já tinha algumas ideias e quem ajudasse. Por outro lado, garantiu à mãe que toda ajuda seria bem-vinda.

Durante uma longa fase de sua vida ela acreditou que seus pais não a entendiam. Mas um belo dia, resolveu observá-los por outro ângulo. Parou de culpá-los. Entendeu que eles também sofriam calados pelas dificuldades. Agora que seria mãe, poderia compreendê-los melhor.

Certa manhã, acordou com uma ideia na cabeça: seu filho teria nome bíblico. Não que fosse religiosa, mas pela leveza e esperança que traziam a ela. Se fosse uma menina, seria Ana ou Isabel, se nascesse menino, Matheus ou João. 

Baseado em: Pais e filhos, da banda Legião Urbana, letra de. Faixa 2 do disco As Quatro Estações, de 1989. 

Escrito em: 03 de março de 2010.  

Revisado por: Jú Afonso (http://eumundoafora.blogspot.com/) 

Nota da autora: TFM = Tradicional Família Mineira