Gosto desse lugar. Boas lembranças vêem à minha mente. Hoje a praia está deserta. O mar calmo bate sistematicamente no casco de um velho navio. Algumas algas desenham na areia com a ajuda das ondas. Sara, onde você está agora?
Tento me lembrar de como nos conhecemos. Apenas algumas imagens aparecem. Seu sorriso, seu olhar. Foi em uma noite de inverno. A lua cheia iluminava a neve enquanto conversávamos. Já a primeira vez que te vi é como se fosse agora. Você passeava solitária na beira da praia com os pés descalços sendo molhados pelo mar. Um vestido branco de algodão até os joelhos e com os ombros de fora.
Poucos anos depois nos casávamos em Lily Pond Lane. Sara, como você estava linda! Você se entregou a mim, belo anjo virgem. Os sinos marcaram o início de uma nova fase da minha vida.
Mesmo recém-casado nunca parei de viajar, agora com você sempre ao meu lado. Certa vez, no Chelsea Hotel, passei dias compondo uma canção para você, lembra? Sara, eu te amo. E isso eu nunca poderei negar.
Mais alguns anos se passaram, vieram as crianças. Primeiro os dois meninos, logo depois nossa querida garotinha. Doce como você. Os meninos a defendiam de tudo e faziam questão de cuidar e brincar com ela. Diversas vezes viemos à praia com eles. De vez em quando conhecíamos algum lugar diferente – como aquele inverno com histórias sobre Branca de Neve. Para ser honesto, raramente não íamos para a praia, principalmente essa aqui. Nós a adorávamos e as crianças também. Sara, como você se divertia aqui.
Passava o dia todo brincando com os pequenos. Enchendo os baldinhos de areia e ajudando a construir castelos, abrindo piscininhas para a nossa filha, catando conchinhas para enfeitar a areia. Levava água de tempos em tempos para as crianças beberem. Outras vezes chamava para comer alguma coisa na mesa em que estávamos. Enquanto isso eu ficava deitado na duna, admirando o céu e você. Quando eu me distraía você chegava por trás, de surpresa, me abraçava e dava um beijo. Você sempre esteve ao meu alcance.
Oh Sara, o que eu fui fazer! Comecei a desconfiar de você, sem o menor motivo. Você sempre ao meu lado, e eu falhei com você. Achava impossível que alguém como você estivesse com alguém como eu.
Me tornei um homem chato, implicante e, acima de tudo, desconfiado. Apesar das suas explicações racionais e das lágrimas manchando seu rosto, não conseguia agir de forma diferente.
Entendo seus motivos. Teve razão Sara. Será que foi isso que fez sua mente mudar? Sei que será difícil ter o seu perdão, mas continuarei tentando. Por favor, não me deixe.
Baseado em: Sara, de Bob Dylan, letra dele. Faixa 9 do disco Desire, de 1976.
Escrito em: 17 de fevereiro de 2010.